Artigo:“Memória Viva - Vamos comemorar...” 30 de julho - Dia Mundial contra o tráfico de Seres Humanos

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“Memória Viva - Vamos comemorar...”

30 de julho - Dia Mundial contra o tráfico de Seres Humanos

O tráfico de seres humanos é um ato criminoso que consiste no recrutamento, com fins lucrativos, de mulheres, crianças e homens de todas as idades e origens. Por meio da violência física e psicológica, por palavras enganosas e atitudes fraudulentas, essas pessoas são conduzidas para serem exploradas.

As vítimas mais vulneráveis são recrutadas em ambientes de extrema pobreza ou em situações de conflito e de desastres naturais. A sua única expectativa é a de conseguirem um melhor nível de vida.

As vítimas acabam por serem utilizadas para trabalho forçado, para o comércio sexual, para recrutamento de meninos-soldados, para tráfico de órgãos, para adoções ilegais, para a mendicidade, para a escravidão doméstica, para casamentos por conveniência, para atividades ilegais, para branqueamento de capitais e outras actividades ilícitas. Sujeitas a formas de controlo e coacção física e psicológica, com recurso a violência e à sonegação de documentos e de dinheiro, essas pessoas perdem os laços familiares, a sua dignidade como ser humano e a sua auto estima.

Este crime organizado afeta 27 milhões de pessoas traficadas em todo o mundo. O seu impacto económico (com um provável lucro anual de 32 biliões de dólares americanos) compara-se ao tráfico da droga e das armas.

Qual o combate na europa?

A União Europeia criou uma agência para estudo e controle contra a droga e o crime em 1997, UNODOC  (United Nations Office on Drugs and Crime). Em 2020, esta agência apresentou o seu 5º relatório sobre o tráfico de seres humanos que abrange 148 países. Aí é caracterizado o fluxo de tráfico a nível global e nacional e apresentada uma série de indicadores baseados nos dados recolhidos de 2016 a 2019. Assim, é estimado o tráfico de milhares de pessoas em muitas regiões do globo, por ano, das quais 72% das vítimas são mulheres e crianças. Esta estimativa pode estar ultrapassada e não corresponder à realidade por se tratar de uma atividade clandestina. Foram também identificadas 500 rotas de tráfico.

Verifica-se um emergente recurso a tecnologias de informação cada vez mais sofisticadas e de uso de internet por parte dos traficantes para aliciar com anúncios falsos e plataformas enganosas a fim de recrutar e explorar as suas vítimas. Estas tecnologias também servem para aliciar clientes na compra de órgãos ou no recrutamento sexual de mulheres e crianças ou em outras atividades ilícitas.

Há indicadores de grande relevância nestes relatórios: o crescente aumento de crianças e mulheres traficadas (34% de crianças; 46% de mulheres em relação a 20% de homens); o tráfico para exploração sexual (50% das vítimas), para reforçar a construção civil e a agricultura (38%) e para actividade criminal (6%); a recessão económica em resultado da pandemia Covid 19 aumenta a vulnerabilidade de seres destinados ao tráfico (51% das vítimas por razões económicas); foram estimados 534 tipos de tráfico diferentes. Os setores pouco considerados (trabalho doméstico, pescas, agricultura, mendicidade…) criam uma invisibilidade de vítimas indocumentadas, sem direitos, com horários sobrecarregados e uma apertada vigilância dos traficantes.

A organização criminal pode ser realizada por uma pessoa, por grupos de pessoas, mas 57% são empresas constituídas por vários grupos de traficantes com um raio de acção maior e com um maior número de vítimas traficadas.

Em 2010 houve uma mudança de paradigma em relação ao combate do tráfico de seres humanos. Não basta investir na captura e julgamento dos criminosos, é necessário investir no apoio às pessoas traficadas. Assim, a Assembleia da União Europeia aprovou a Diretiva 2011/36/EU sobre a prevenção e protecção específicas de apoio às vítimas, de acordo com as diferentes situações de tráfico.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional estabeleceu um Fundo Fiduciário Voluntário para as Vítimas de Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças. Permite o apoio a 3500 vítimas resgatadas e a 90 ONGs em 50 países. Mais de 6,54 milhões de euros provêm de apoiantes (Estados- Membros, organizações internacionais ou pessoas singulares) e são canalizados para programas de apoio, subvenções de emergência, protecção jurídica e outros pacotes de ajuda. Este fundo é igualmente beneficiado com as contribuições angariadas pelo Coração Azul (Blue Heart Campaign), uma campanha lançada pelo UNODOC para consciencializar e tornar as pessoas mais ativas no combate ao tráfico de seres humanos.

https://www.unodc.org/unodc/data-and-analysis/glotip.html

Qual o combate em Portugal?

 Em Portugal o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), criado em 2008, ligado ao Ministério da Administração Interna, “tem como missão a recolha, tratamento e análise de dados sobre tráfico de seres humanos e outras formas de violência de género”.

O relatório apresentado pelo OTSH, em 2019, contem dados e relatos de informação de várias entidades: Ministério da Justiça e os Órgãos da Polícia Criminal, da Europol, da Polícia de outros países estrangeiros, de associações como APAV, APF, CAP e de outras instituições portuguesas ou estrangeiras.

Portugal mantem-se como país de destino no tráfico (119 vítimas, das quais 93 para exploração laboral), mas também como país de transição. Quanto a menores, foram sinalizados 30 como presumíveis vítimas, sendo maioritariamente do sexo masculino. No entanto, também Portugal é um país de origem de tráfico, pois em 2019 foram sinalizadas 280 presumíveis vítimas portuguesas, maioritariamente homens para trabalho forçado na agricultura em Espanha e França.

A criação de Centros de Acolhimento e Proteção (CAP) a vítimas de tráfico de seres humanos – sob a gestão da Associação para o Planeamento  da Família (APF) - permitiu o acolhimento a 57 vítimas (40 do sexo masculino e 17 do sexo feminino), com uma assistência médica e psicológica às vítimas. Além de lhes ser facultada assistência jurídica, receberam formação e foram apoiadas para o mercado de trabalho com algum sucesso de integração. Foram concedidas 16 autorizações de residência.

Neste relatório foram identificados 81 crimes de tráfico, estando o “crime de lenocínio e pornografia de menores” mais sinalizado. Em relação à nacionalidade de traficantes esta engloba também portugueses.

Este relatório contem amplas informações sobre o tráfico de seres humanos, daí que se aconselha a sua leitura.

Trafico_de_Seres_Humanos___Relatorio_Anual_sobre_2019.pdf

A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (GIC) é um organismo tutelado pelo Conselho de Ministros, contribuindo para o apoio jurídico e psicossocial nas situações de discriminização de mulheres traficadas, entre outras atribuições.

https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/115536003/details/maximized

Em Portugal há um grande número de técnicos e voluntários que trabalham para entidades envolvidas no combate ao tráfico. Somente serão mencionadas algumas:

Alto Comissariado para as Migrações (ACM) - Instituto de utilidade pública; ACEGIS – Associação não Governamental para o Desenvolvimento; AKTO – Direitos Humanos e Democracia - Associação privada sem fins lucrativos; ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local; Assistência Médica Internacional – Associação não Governamental; CAIS – Associação de Solidariedade Social; Confederação Nacional de Ação sobre Trabalho Infantil – Associação privada sem fins lucrativos; Fundação Aga Kahn Portugal – Agência da Rede Aga Kahn para o Desenvolvimento; Instituto de Apoio à Criança - Instituto de utilidade pública; Médicos Sem Fronteiras – Organização não Governamental; Movimento Democrático de Mulheres – Associação não Governamental; O Companheiro – Associação de Fraternidade Cristã; OIKOS – Cooperação e Desenvolvimento - Organização não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD); Solidariedade Imigrante – Associação de Defesa do Imigrante; SOS RACISMO - Associação com estatuto de utilidade pública; União das Mulheres Alternativa e Resposta – Organização não Governamental. Neste rol entram alguns partidos políticos e líderes religiosos de vários quadrantes. São milhares de pessoas a trabalhar com um único objectivo – combater o tráfico de seres humanos. Estar atento a determinados sinais.

Que resultado deste combate para o futuro da humanidade?

Foram apresentados algumas entidades e organizações, quer europeias quer nacionais, que possam representar uma barreira para o crime organizado deste tipo de tráfico.

A maioria dos estados criou legislação e estruturas para combater este flagelo em parceria com as directivas da UE. No nosso país o combate faz-se em várias frentes e também em ligação com entidades estrangeiras.

Qual a razão para o número de vítimas crescer ano após ano? Se temos consciência que os conflitos, as alterações climáticas e a pobreza conduzem massas de seres para longe das suas famílias, das suas casas, das terras onde nasceram, tornando-se vulneráveis a este negócio criminoso, então o que nos resta fazer? Como combater a inactividade da sociedade? Como agir perante uma presumível vítima?

Perante as situações sociais mais perturbadoras desviamos os olhos e entramos numa fase de negação. “Não quero saber!” “É um tema muito doloroso para ser encarado!” “Não quero pensar nisso!” “Mete-

-me nojo ver tanta miséria!”

A esta fase de negação segue-se uma outra. “Como posso combater sem ter medo de ajudar?” “Não sendo polícia, o que faço então?” “Como voluntário?” “Ponho em causa a minha segurança e a dos meus?” “Revolta-me ver tantos excluídos, mas o que posso fazer?”

Com este posicionamento as vítimas tornam-se rapidamente invisíveis. “Sendo invisíveis eu não as vejo, nem sinto o seu sofrimento”. A invisibilidade faz surgir a apatia, mas nunca a culpa e a revolta.

Este é o melhor prémio dado aos traficantes. Ficam agradecidos pelo nosso silêncio, a nossa passividade e a nossa ignorância. Esta ambivalência entre a culpa e a apatia faz favorecer o crime e a violência.

Seremos então um pouco seres com ódio para quem é diferente e amamos em demasia quem nos cerca? Seremos um pouco de Eros (a pulsão da vida) e Thanatos (a pulsão da morte)?

Conhecer e denunciar é uma forma de dar guerra a este crime. O Observatório de Tráfico de Seres Humanos, o Movimento Democrático de Mulheres e o Alto Comissariado para os Migrantes elaboraram, colocando-o à disposição de todos nós, um folheto explicativo sobre os sinais que qualquer vítima de tráfico pode apresentar, assim como os sinais que um traficante aparenta. Também existem, no final do folheto, as entidades a quem se apresenta a denúncia.

https://www.otsh.mai.gov.pt/wp-content/uploads/Folheto_Agir-contra-o-TSH-Versao-Portugues.pdf

Ninguém nos tira a liberdade de escolha! Seremos o que decidirmos ser!