Artigo:Mas as crianças, Senhor

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Mas as crianças, Senhor

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) definiu em 2012 que é trabalho infantil o emprego de crianças em qualquer actividade que as prive da infância, interfira na frequência escolar e seja considerado mental, física, social ou moralmente perigoso e prejudicial.

A estatística do trabalho infantil está tão longe da realidade do trabalho infantil como os filmes sobre o Holocausto estão do Holocausto.

Vejamos a estatística. Segundo a Unicef e a OIT, o número de crianças vítimas de trabalho infantil é cerca de 168 milhões em todo o mundo. Após quase dois decénios em queda, verificou-se um aumento de 8,4 milhões nos últimos quatro anos. E, segundo a organização Human Rights Watch, o impacto económico da covid-19, associado ao encerramento de escolas e à falta de apoios sociais, além de ter feito aumentar o trabalho infantil em todo o mundo, empurrou muitas crianças para trabalhos perigosos. A grande maioria do trabalho infantil ocorre em contextos rurais e na economia urbana informal, e as crianças são compelidas a trabalhar pelos pais. No entanto, que se saiba, em nenhuma parte do mundo é autorizado o trabalho infantil.

Vejamos dois ou três casos concretos, entre a tenebrosa e infinita variedade.

Em Campala, Uganda, grupos de crianças vendem máscaras de contrafacção. Nos arredores de Campala, outras crianças deambulam de porta em porta, carregadas com sacos de plástico e cestas cheias de fruta e vegetais. O encerramento das escolas devido à pandemia é o pretexto para grande número de pais ugandeses obrigarem os filhos a trabalhar para ajudarem as famílias a sobreviver. Muitas destas crianças trabalham em pedreiras, cumprindo jornadas de mais de 10 horas. A extracção manual de pedra é uma actividade desumana que os adultos evitam, mas os donos das pedreiras não hesitam em contratar crianças, porque lhes podem pagar uma ninharia ainda mais miserável que aos adultos.

Com um espigão metálico pontiagudo e de grandes dimensões, em Jharkhand, na zona Leste da Índia, milhares de crianças extraem do interior de crateras profundas, estreitas e escuras a mica que fará parte de automóveis e produtos de beleza. Cada criança recolhe por dia entre cinco a seis quilos de aparas de mica e vende a traficantes ilegais por cinco a dez cêntimos por quilo. Estas crianças abandonaram a escola porque as famílias são extremamente pobres e precisam deste dinheiro. Muitas destas crianças acabam soterradas nas minas e, às que sobrevivem, este rendimento não evita sequer a fome e a subnutrição.

Todos os países membros das Nações Unidas assinaram em 20 de Novembro de 1989 a Convenção internacional sobre os direitos da criança. Este tratado compromete os signatários a proibir a prostituição infantil. Mas, segundo a Unicef, um pouco por todo o mundo, em particular nos países asiáticos e sul-americanos, mas também na América do Norte, Europa e África, 10 milhões de crianças são obrigadas a prostituírem-se. Esta horrenda situação, muitas vezes associada à indústria da pornografia, turismo sexual, e tráfico humano, destrói a infância, impossibilita uma vida adulta psicologicamente saudável e equilibrada, corrói as sociedades nos seus fundamentos éticos e morais e ofende os mais basilares Direitos Humanos.  

Em Portugal, apesar do Código Penal Português punir o trabalho infantil com prisão e multas pesadas, ainda há um número indeterminado de crianças a trabalhar em sectores como a moda, espectáculos, desporto, industria têxtil e restauração. Segundo a Confederação Nacional de Ação Sobre o Trabalho Infantil, estas crianças, quase sempre impedidas de frequentar o ensino obrigatório, são exploradas em horários de trabalho que ultrapassam o limite legal e muitas vezes são pagas em géneros.

 

Francisco Martins da Silva