Artigo:Maremoto turístico

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Maremoto turístico

«Veneza, esvaziada como antes de uma aluvião, é atravessada por quase 23 milhões de turistas por ano, aterrorizados por perder o espetáculo, na expectativa do último ato. Sete pessoas em dez deixaram Veneza por causa do custo da habitação. O êxodo é de cerca de mil habitantes por ano com saltos significativos: 110 mil habitantes nos anos setenta, 66 mil no início do milénio e 49 000 em 2022» (L’Espresso,30/04/2023).

Em Lisboa, não estamos longe deste retrato traçado pela jornalista Diletta Bellotti deste semanário italiano num artigo significativamente intitulado Veneza lunapark: cidade para todos não para quem a habita. O cenário do espetáculo já está montado ou em vias de o ser na capital portuguesa. Os representantes da hotelaria e turismo – chamá-los «empresários» faria revolver Schumpeter na tumba porque não contribuem para a inovação de coisa nenhuma – defendem que, superados os 20 milhões de passageiros, a capital do país precisa de um aeroporto que possa receber 50, 80 ou mesmo 100 milhões por ano. Imagine-se o futuro: Lisboa submergida por uma praga de gafanhotos turísticos com capacidade reforçada para destruir tudo à sua volta que não seja turístico.

O cenário já está a ser montado por investimentos no setor da hotelaria que atingiram 20 milhões de euros nos primeiros quatro meses do ano, estando em «reserva» cerca de 720 milhões de euros até ao final de 2023. Por sua vez, o alojamento local está em vias de se disseminar. Se a Câmara de Moedas, considerou como áreas de contenção absoluta, apenas cinco freguesias com uma percentagem de estabelecimentos de alojamento local superior a 15% do total de habitação, existem mais 19 bairros em áreas de contenção de relativa, mais de 5% e menos de 15% do total, que cobrem praticamente toda a cidade de Lisboa, apenas ficando de fora os bairros de Benfica, São Domingos de Benfica, Carnide, Lumiar e Santa Clara. Muito justamente a Assembleia Municipal chumbou este projeto, patrocinado pela Câmara de Moedas & Cia, de legitimação da disseminação do alojamento local por praticamente toda a cidade. No entanto, a Comissão Europeia, essa prestimosa representante da «Europa connosco», poderá bloquear as tímidas medidas do governo para conter a proliferação do alojamento local como já o fez na Irlanda, com o argumento de que são «desproporcionadamente restritivas» e com efeitos negativos na oferta turística, particularmente nas zonas costeiras e mesmo rurais, sem garantir um potencial aumento de casas para arrendar. A sua contabilidade é ridícula: apenas 3% de fogos habitacionais no país abrangem o alojamento de curta duração, quando o fenómeno se concentra nas grandes cidades, mas começa a proliferar para as de pequena e média dimensão, juntamente com os projetos imobiliários na zona costeira. Ou seja, o oceano Atlântico é o limite.

Entretanto, graças ao contínuo aumento de juros promovido pelo Banco Central Europeu da patética Senhora Lagarde, que continua a insistir que a inflação atual provém do excesso de procura quando, pelo contrário, tem origem na oferta, sendo alimentada pelos superlucros oligopolistas, as famílias portuguesas que contraíram imprudentemente empréstimos a taxa variável veem as suas prestações mensais dispararem: por exemplo, segundo dados do economista Pedro Brinca, em fevereiro de 2022, uma família que pagava 900 euros por um empréstimo de 300 000 euros , paga agora 1470 euros e apenas pode contratar um crédito de 180 000 euros a 30 anos. Simultaneamente, a oligarquia bancocrática vê os seus lucros dispararem: segundo dados da Associação Portuguesa de Bancos, a margem financeira – diferença entre juros ativos (de empréstimos) e passivos (de depósitos) – aumentou 22,6% no ano passado, atingindo 7,513 mil milhões de euros, o segundo maior valor do segundo decénio deste século, apenas superado pelos 7,93 milhões de euros de 2011. Portugal é o segundo país da Europa com as taxas de juro de depósitos mais baixas e o oitavo com as taxas de juro ativas mais altas.

A socialista Ana Gomes põe o dedo na ferida quando afirma, em entrevista ao DN de 12/05/2023: «Precisávamos de produzir mais, produzir melhor, pagar mais, não podemos continuar resignados aos baixos salários, que isso é uma receita para continuarmos a exportar jovens, e distribuir melhor, distribuir mais e melhor. A reforma fiscal, é uma questão absolutamente vital, é uma questão de justiça. Isso é que era ser socialista realmente. Era avançar para uma reforma fiscal que redistribuísse e que não fizesse por exemplo as classes médias e baixas continuarem a empobrecer (…) Porque um aumento das taxas de juro, mesmo que determinado por políticas ineptas e contraproducentes por parte do BCE, significa um imposto adicional sobre as classes médias e as classes baixas.»

Bem pregas Frei Tomás…

Joaquim Jorge Veiguinha