Máquina de gerar vínculos precários
Virgínia Henriques Calado
| Investigadora doutorada contratada a prazo na Universidade de Lisboa — Instituto de Ciências Sociais, Lisboa
O sistema científico e tecnológico nacional tem sido uma máquina de gerar vínculos precários
Foi há mais de 30 anos que tive a minha primeira bolsa de investigação, uma bolsa de mestrado da JNICT, instituição que antecedeu a FCT. Pensava na altura que a minha curiosidade, empenho e dedicação me levariam a uma carreira profissional estável. Estava redondamente enganada, pois neste percurso académico o único aspeto que se tem mantido estável é a precariedade A bolsa de investigação que inicialmente recebi com entusiasmo e esperança no futuro — era jovem — foi apenas o início de um percurso pontuado pela instabilidade, incerteza e desapontamento. Com pouco mais de 20 anos a questão da precariedade não se me colocava, mas, agora, decorrido todo este tempo, depois de passar por bolsas de mestrado, doutoramento, pós-doutoramento e por contratos de trabalho a termo certo, acumulando vários anos de descontos pelo mínimo para a segurança social, os efeitos da precariedade e da injustiça social que esta gera, são a bagagem com que tenho de contar para encarar o futuro.
O sistema científico e tecnológico nacional tem sido assim: uma máquina de gerar vínculos precários. Fizeram-se leis para enfrentar o problema da precariedade e enquadrar investigadores e professores (Lei 57/2017), mas há universidades, como a Universidade de Lisboa, que pouco têm pugnado para que essas leis sejam implementadas, aceitando condicionar-se enquanto instituição e condicionando a carreira dos investigadores que por ela passam, em nome de recortes financeiros que respondem às “dinâmicas de mercado”, asfixiando a democracia.
Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 44 | novembro/dezembro 2024