Artigo:Liberdade infeliz

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Liberdade infeliz


Iris Murdoch (1919-1999), filósofa e prolífica escritora irlandesa, falando da importância da educação, no sentido de escolaridade, dizia que não nos faz felizes. Nem a liberdade. Não ficamos felizes apenas por sermos livres, se o formos… ou porque tivemos uma educação, se a tivemos. A educação apenas pode ser o meio para compreendermos que somos felizes. Abre-nos os ouvidos, os olhos. Diz-nos onde os prazeres se ocultam. Convence-nos de que há só uma liberdade verdadeiramente importante: a intelectual. A que nos dá segurança e confiança para podermos trilhar o caminho que a nossa mente educada nos oferece.


Ora, como podem mentes educadas dialogar com outras que se saciam com a baixa cultura e se libertam no exercício infeliz do ódio pela erudição, no ataque alarve à escola em que foram malsucedidos e à figura difusa do professor que sempre lhes pôs em causa a índole néscia e obtusa, no falatório das redes sociais ou na conversa pedestre de café? É certo que tivemos cafés e similares que foram antros de superior intelectualidade. Mas estes ignaros que se amparam em rede nunca ouviram falar d’A Brasileira e da revista literária Orpheu e do Movimento Modernista que aí nasceram, das tertúlias do Martinho da Arcada ou de como Pessoa aí congeminou A Mensagem e o Livro do Desassossego, da cervejaria Leão d’Ouro ou do Grupo do Leão e do Naturalismo ou, até, do café Vá-Vá, frequentado por certa alta-roda antifascista nos anos sessenta. Muito menos sabem o que é uma troca elevada de ideias inteligentes e da satisfação (felicidade?) que proporciona.


Segundo o último relatório da DGEEC (Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência), apenas 52% da população portuguesa concluiu o ensino secundário e/ou superior. A média da UE é 78%. O “e/ou superior” português corresponde a 17,4% dos 52%. E isto é uma grande evolução. Mas representa a cauda da Europa. E quando se faz a estatística das “competências digitais”, a quintessência do saber dos desistentes da escola e dos abúlicos intelectuais, de acordo com o indicador de quatro áreas específicas desenvolvido pela Comissão Europeia (sem competências; competências baixas; competências básicas; e competências acima de básicas), o resultado é o 19º lugar entre os países da UE, com apenas 52% da população portuguesa a ter competências digitais básicas, não muito distante da média europeia (56%), mas a 27 pontos percentuais da 1ª posição, ocupada pelos Países Baixos.


Esta fraca educação desde sempre entorpece e atrasa o país e está hoje na base da insolência, arrogância e hostilidade de “grupos de WhatsApp”, e quejandos, de encarregados de educação contra a escola e os professores dos filhos. O pior pesadelo do director de turma, do ensino pré-escolar ao secundário, é ter de lidar com os pais e a ignorância agressiva. Como se dialoga com quem não quer, porque não sabe, dialogar? Como se dialoga com quem apenas quer ofender? O insulto gratuito, a injúria, a certeza imbecil, encorajada e amplificada pelo concurso maledicente num qualquer facebook, são a bagagem argumentativa destes adultos. Os filhos, malgrado a escola, porque a desprezam, seguir-lhes-ão livremente o infeliz exemplo.

Francisco Martins da Silva