Irene Lisboa, um pensamento pedagógico inovador
Lígia Calapez e Sofia Vilarigues | jornalistas
O pensamento pedagógico de Irene Lisboa e as caraterísticas ímpares da sua escrita foram o tema da ação de formação de curta duração “O carácter inovador do pensamento pedagógico de Irene Lisboa”, do Centro de Formação do SPGL, integrada no ciclo de debates Direitos Humanos e Educação.
A iniciativa teve lugar no passado dia 9 de dezembro, online, com Jorge da Cunha e Paula Morão, moderada por Artur Baptista.
Entre a obra literária e a experiência pedagógica
“… elas vinham cá para fora com as crianças, que era uma coisa que ainda não se fazia na época (…) E passaram o verão inteiro a fazer materiais didáticos (…) Naquela época, elas faziam, em feltro e cartolina, preparavam os seus materiais, coisas muito bonitas. E depois usavam esses materiais (…) E mandaram fazer também, pela primeira vez em Portugal, as mobílias que hoje são banais - as mobílias pequeninas, as cadeiras e as mesas. Foram elas que introduziram isso na escola em Portugal.” (referência à experiência de Irene Lisboa e Ilda Moreira, na escola do Alto da Ajuda, no seu regresso da Europa (1929-1932), onde teve a possibilidade de conhecer o que então de novo se fazia em termos de pedagogia).
Este um breve extrato da intervenção de Paula Morão, professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que, em poucas palavras, de algum modo esboça aquilo que foi um assinalável contributo de Irene Lisboa para a história e para a transformação das práticas de pedagogia no nosso país.
Paula Morão – que tem 9 volumes editados, sob sua orientação, relativos à obra de Irene Lisboa – apresentou uma perspetiva global desta multifacetada obra. Que envolve, nomeadamente, poesia (livros publicados em 1936 e 37); 2 livros de autobiografia da infância e da adolescência; um conjunto de crónicas; 3 livros, também autobiográficos, mais próximos da diarística – de 1937, 1943 e 1974 (póstuma).
De destacar, ainda, as obras que Irene Lisboa escreveu para os mais pequenos. “A vidinha da Lita”, por exemplo, tem agora uma edição que está no Plano Nacional de Leitura.
De salientar, igualmente, a obra pedagógica. Como “As modernas tendências de educação”, que saiu na biblioteca Cosmos, dirigida por Bento de Jesus Caraça.
Como bolseira, Irene Lisboa esteve em Paris, depois com uma passagem mais breve por Bruxelas e finalmente em Genebra, onde foi aluna de Piaget. Irene Lisboa escreveu sobre a Maison des Petits; as Escolas Maternas de Paris; os Jardins d´Enfance de Bruxelas; e, ainda, o relatório sobre os centros de interesse na Escola de L´Érmitage, também em Bruxelas, e bases para um programa de escola infantil.
Paula Morão sublinhou, ainda, a especificidade do estilo literário de Irene Lisboa, em particular um cuidadoso trabalho com a pontuação. Uma pontuação que, nas palavras da oradora, “acompanha o ritmo do pensamento a desenvolver-se”.
“A mais importante educadora”
“Eu começo com uma ideia que nos deixou o professor Sampaio da Nóvoa, que disse que Irene Lisboa é a mais importante educadora na história do ensino e da pedagogia em Portugal”, afirmou o professor Jorge da Cunha, no início da sua intervenção.
O conferencista, que tem o livro editado “Irene Lisboa - A escola do meu coração – Uma antologia de textos pedagógicos organizada por Jorge da Cunha”, de 2021, abordou a ação e pensamento de Irene Lisboa como educadora.
Irene Lisboa tem uma carreira profissional que “não é longa, por razões políticas. Passa à situação de reformada, em 1940, ainda com 47 anos”. Contudo, não fica por aí. “Grande parte da obra de Irene Lisboa foi escrita a partir de 1940, ou seja, a partir do momento em que se reformou”, referiu.
Com algumas frases da educadora, Jorge da Cunha deu a conhecer um pouco do pensamento e a forma de escrita de Irene Lisboa.
“A escola prepara para a vida (...) Preparar para a vida (...) é fazer viver num meio grato, propenso ao desenvolvimento integral do indivíduo” (em “Transformemos a escola”, 1929).
“A escola não serve só para ensinar. A escola não é nem deve ser puramente didata – dadora de conhecimentos (...) Se a vemos unicamente por esse lado, vemo-la mais a ela que ao ser que lhe entregamos (...) Pôr em primeiro lugar o educando, que significa? Rodeá-lo, envolvê-lo de uma espécie de inteligência amorosa, que descobre tudo o que se pode chamar a sua boa satisfação, o seu estado de felicidade, o seu bem-estar.” (em “Educação”, 1944).
Jorge da Cunha sintetizou, ainda, 10 princípios pedagógicos em Irene Lisboa. A Criatividade. O trabalho manual. O jogo. O brincar. A disciplina. O conto e as histórias. A linguagem, a leitura e o cálculo. Bases para um programa da escola infantil (Irene Lisboa esboçou o primeiro documento com linhas orientadoras para a educação infantil em Portugal). O professor. Os recursos didáticos.
Irene Lisboa contribuiu, concluiu, “para a difusão das pedagogias ativas em Portugal, ainda hoje muito úteis para se pensar a educação”.
Texto original publicado no Escola/Informação n.º 310 | janeiro/fevereiro 2025