Artigo:Gaza a ferro e fogo

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Gaza a ferro e fogo

Segundo as notícias mais recentes, já foram mortas 56 pessoas em Gaza, das quais 4 crianças em consequência dos bombardeamentos da aviação israelita e, 7 em Israel, das quais 1 criança, devido aos rockets lançados pelos islamistas do Hamas. Este conflito, que pode degenerar em guerra civil, tem dois responsáveis máximos: os colonos e os movimentos nacionalistas de extrema-direita, bem como os islamitas palestinianos do Hamas que governam a faixa de Gaza e que com os rockets lançados sobre Jerusalém justificam a resposta bélica do Estado judaico que invoca, apesar do caráter desproporcionado dos bombardeamentos, a legitimidade incontestável da proteção dos cidadãos israelitas de origem judaica. Por isso, não se pode analisar esta situação, como o fazem alguns, em função do maior número de vítimas do lado palestiniano: as vítimas são todas iguais, não se medem aos palmos e as ações do Hamas são atos de guerra contra a capital de um Estado soberano que têm necessariamente que ser condenados sem apelo nem agravo.

Ma há um outro lado da questão que, apesar de ter passado despercebido, esteve na origem remota deste grave conflito. Em Jerusalém, estes colonos e movimentos de extrema-direita reivindicam a propriedade de bairros e zonas da cidade onde vivem árabes israelitas, invocando a lei do Estado judaico segundo a qual podem requerer que lhes seja ‘devolvido’ um alegado ‘direito de propriedade’ se conseguirem provar que ali viviam antes da guerra de 1948. Se o Supremo Tribunal de Justiça de Israel, que ainda nãos se pronunciou, decidir a seu favor, famílias palestinianas que aí residem desde há muto tempo podem ser expulsas para que os colonos israelitas lá se instalem. Segundo a edição do passado fim de semana do jornal Le Monde, desde 2008 dez famílias foram obrigadas a abandonar a cidade, encontrando-se atualmente 70 ameaçadas de expulsão. Desde 1956, foram atribuídos contratos de locação a famílias palestinianas em Sheikh Jarrah, bairro de Jerusalém Leste, pela monarquia jordana que era a entidade soberana nesta parte da cidade e na Cisjordânia. Como o reino haxemita não forneceu aos palestinianos residentes nenhum título de propriedade, os colonos exigem atualmente o seu desalojamento.

A situação agravou-se em 1967, data em que israelitas anexaram os bairros palestinianos de Jerusalém. Esta anexação não é, porém, reconhecida pela maior parte da comunidade internacional que a considera uma ocupação colonial e Jerusalém Leste como uma zona internacional, tendo em conta os templos e lugares santos tanto dos israelitas como de outras religiões, particularmente da muçulmana. Os colonos e a extrema-direita israelita decidiram marcar um desfile que atravessaria os bairros árabes de Jerusalém Leste para comemorar o 10 de maio de 1967, data da anexação. Inicialmente, o Estado judaico autorizou-o, legitimando o que não passa de uma clara manobra de provocação. A polícia tomou de assalto a mesquita de Al-Aqsa, um dos lugares santos do Islão, disparando balas de borracha e outros engenhos que feriram cerca de duzentos palestinianos. Posteriormente, foi decidido desviar o percurso do desfile nacionalista que passava pelos bairros muçulmanos e se iniciava na porta de Damasco transferindo-o para a porta de Jaffa. No entanto, a decisão peca por demasiado tardia, o conflito propagou-se ao norte do país onde se concentra a minoria árabe de Israel. Em Lod foram incendiadas sinagogas. O presidente da câmara desta cidade, Yar Revivo, comparou de forma manifestamente exagerada os eventos à famigerada Noite de Cristal, em 1938, na Alemanha e na Áustria, em que os nazis destruíram inúmeras sinagogas e estabelecimentos comerciais judaicos. Considerando que “a comunidade ortodoxa nacionalista tem armas” concluiu preocupado que “começou uma guerra civil em Lod” (Fonte:  Público, 13.05.2021).

Este conflito de extrema gravidade pode pôr definitivamente em causa a solução dos dois Estados, um israelita e outro palestiniano, uma solução já extraordinariamente debilitada com a decisão de Trump de transferir a sua embaixada de Telavive para Jerusalém. Não apenas a nova Administração norte-americana não parece minimamente disposta a reverter esta transferência, mas também se tem limitado a condenar uma das partes do conflito e a apoiar, pela voz do seu secretário de defesa, Lloyd Austin, “o direito legítimo de Israel de se defender e ao seu povo” (DN, 13.5.2021). Apesar deste direito ser efetivamente legítimo, não pode servir de justificação para os bombardeamentos maciços que têm provocado inúmeras vítimas na parte mais fraca do conflito. No entanto, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros norte-americano manifestou o seu apoio à criação de um Estado palestiniano independente. Só que os norte-americanos precisam de mudar efetivamente a sua política relativamente a Israel para que tal se venha a finalmente a concretizar.

Joaquim Jorge Veiguinha