Fraca consolação
Em 2023, as reformas antecipadas registarão um corte de 13,8%, menos 0,8% do que em 2022. Relativamente a 2019-2021, a esperança média de vida aos 65 anos passou de 19,35 anos para 19,30 anos, em 20220-2022, o tempo que, em média, poderá viver em Portugal uma pessoa com esta idade. Em consequência disto, a idade em que o contribuinte se poderá aposentar sem penalizações a partir de 2023 será 66 anos e 4 meses, quando atualmente é 66 anos e sete meses. Quem escapa à aplicação do fator de sustentabilidade terá de ter, pelo menos, 60 anos de idade e 40 anos ou mais de contribuições ou então uma longa carreira contributiva de 46 anos ou mais de contribuições, o que implica neste caso, ter começado a trabalhar aos 17 anos. Ser-lhe-á, porém, aplicada a penalização 0,5% por cada mês de antecipação face à idade legal de reforma, ou seja, 6% por cada ano.
Relativamente ao fator de sustentabilidade, deve ter-se em conta que, graças aos anos da ‘troika’ da “Europa connosco” e ao governo do PSD/PP que aplicou as suas receitas, ascendeu a 12,34% a partir de 2013, quando anteriormente era apenas de 4,34%. Este tem vindo a ser sucessivamente aumentado até 2022, mas a redução da esperança média de vida que se verificou após a pandemia esteve na origem da sua insignificante redução. Tal significa que quem não tiver 40 anos de contribuições aos 60 anos de idade continua a estar submetido a uma dupla penalização extremamente gravosa que lhe arrebata a quase totalidade da reforma se decidir aposentar-se aos 66 anos. Mesmo quem estiver naquela condição e decidir aposentar-se antecipadamente aos 60 anos sofrerá um corte de 42%, ou seja, quase metade da sua pensão.
Entretanto, o panorama futuro das pensões é particularmente preocupante. Assim, com o argumento da sustentabilidade financeira do sistema de aposentações, o cálculo da pensão passou a ter como base toda a carreira contributiva + fator de sustentabilidade. Anteriormente, o período de referência era constituído pelos 5 melhores dos dez últimos anos e, posteriormente, pelos 10 melhores dos últimos 15 anos. O preço a pagar pela alegada sustentabilidade financeira resultante daquela reforma tem sido taxas de reposição ou substituição cada vez mais baixas relativamente ao último salário. Assim, segundo estimativas recentes, em 2070, esta taxa, que atualmente é de cerca de 80%, fixar-se-á em 40% do último salário, o que equivale, na prática, ao retorno aos tempos da primeira revolução industrial em que quem saísse da vida ativa iria parar ao asilo de indigentes, se não tivesse morrido primeiro. A diferença, em 2070, se a esperança média de vida não baixar substancialmente e a maioria não morra, como na primeira metade do século XIX, em idade precoce, é que os candidatos a este asilo ou à caridade pública ou privada vão ser muitíssimos mais, sem sequer vir a ser resolvido o problema da sustentabilidade financeira do sistema. Assim, prevê-se que, em Portugal, em 2030, se iniciará o período de saldos negativos – diferença entre contribuições e prestações – no sistema público de pensões, apesar do Fundo de Estabilização da Segurança Social estimar uma reserva de 34 322 milhões de euros, valor pouco fiável, pois se baseia numa estimativa da taxa de rendibilidade dos seus fundos de 4%, o que tem como base o atual aumento dos juros dos títulos detidos pela instituição que não se poderá manter durante muto tempo.
Em Itália, o sistema de pensões já entrou no ‘vermelho’: em 2021, o seu património líquido registou um défice de 7552 milhões de euros, estimando-se que, em 2029, atinja 92 043 milhões (Fonte: L’Espresso, 30 de outubro 2022). Tal como em Portugal, a Itália é um país muito envelhecido, embora a economia portuguesa comparada com a economia italiana seja uma economia de ‘faz de conta’. Para concluir, devemos registar duas lições para memória futura. A primeira é a responsabilidade política dos que, atualmente, assobiam para o lado, contribuindo objetivamente para a criação no futuro de um sistema de pensões a duas velocidades: um sistema público, com pensões de miséria que condenará a maioria da população à indigência e um sistema privado de fundos de capitalização que será subscrito apenas por quem tiver rendimentos médio altos ou altos. Se nada for feito, estes devem ser considerados pelas gerações futuras como um conjunto de personagens pouco corajoso politicamente e sem uma verdadeira consciência social que contribuiu objetivamente não para a sustentabilidade da segurança social pública, mas para o enriquecimento escandaloso das sociedades gestoras dos fundos de capitalização nos mercados financeiros à custa do empobrecimento da maioria dos idosos.
A segunda é a necessidade de uma profunda reforma no sistema de financiamento das aposentações. Para isso, é necessário que as grandes empresas, particularmente as tecnológicas, que registam superlucros e têm relativamente poucos dependentes, sejam obrigadas a uma contribuição muito mais elevada para o sistema. Tributação dos superlucros, uma hipótese que começa a ser justamente defendida por alguns em Itália, ou financiamento do sistema de pensões na base do valor acrescentado líquido, que, ao contrário do sistema atual, entra em linha de conta com o nível da produtividade do trabalho e do capital. O problema é que não se avizinha no horizonte a formação de uma vontade política que ouse lutar por reformas que possam ir contra os poderosos interesses estabelecidos que não hesitam em condenar à miséria futura a maioria da população idosa para manterem a sua opulência, segundo o lema: “Que o resto do mundo vá para o diabo desde que eu possa enriquecer-me ilimitadamente”. Exige-se, por conseguinte, responsabilidade e coragem políticas para inverter esta situação. As gerações futuras da maioria dos nossos filhos e dos nossos netos, condenados à pobreza e à indigência quando se aposentarem, agradecem.
Joaquim Jorge Veiguinha