Valorizar Ciência
FENPROF assinala Dia Nacional dos Cientistas - 16 de maio de 2025
O desenvolvimento da ciência portuguesa ao longo das últimas décadas é inegável. Em geral, os indicadores revelam um aumento expressivo da produção científica, tanto em termos quantitativos como qualitativos, sendo hoje uma evidência os contributos da comunidade científica nacional para o avanço do conhecimento, o desenvolvimento tecnológico e a elevação cultural dos portugueses. Investigadoras e investigadores têm visto o impacto dos seus trabalhos científicos ser reconhecido e valorizado também pela sociedade. Os resultados do Eurobarómetro sobre "Conhecimento e atitudes dos cidadãos europeus em relação à ciência e à tecnologia", divulgado em 2021, mostram que quase metade dos portugueses (49%) considera "muito positiva" a influência da ciência e da tecnologia na sociedade, refletindo uma crescente valorização da ciência por parte da população.
No entanto, apesar destes progressos, o trabalho científico em Portugal continua a ser feito em condições de elevadíssima precariedade laboral. Segundo o estudo "Trajetórias laborais nas instituições de ensino superior e ciência: excelência e precariedade", coordenado por Ana Ferreira e publicado pela FENPROF, a maior parte dos trabalhadores científicos permanece refém de modalidades atípicas de contratação, que incluem bolsas de investigação, contratos a termo certo ou incerto, vínculos pontuais como recibos verdes ou atos únicos, e até situações em que o trabalho é realizado sem qualquer remuneração. Estas formas de vínculo afetam não apenas investigadores, mas também docentes convidados, leitores, gestores e comunicadores de ciência, abrangendo tanto instituições públicas quanto privadas.
Esta diversidade de vínculos precários resulta em trajetórias profissionais marcadas por instabilidade e incerteza. Muitos profissionais alternam entre diferentes tipos de contratos e períodos sem remuneração, o que dificulta a planificação de carreiras e projetos de vida. Além disso, a ausência de integração nas carreiras de investigação científicas ou docência estáveis limita as oportunidades de progressão e reconhecimento profissional.
Este panorama evidencia a necessidade urgente de políticas que assegurem a estabilidade laboral e valorizem adequadamente o trabalho desenvolvido no setor científico e académico em Portugal. A persistente desvalorização salarial e correspondente perda de poder de compra ao longo de décadas, os inúmeros bloqueios e obstáculos ao desenvolvimento de uma carreira científica estável e o sub-financiamento crónico do sistema científico e tecnológico em Portugal – os 3% do PIB permanecem ainda uma longínqua miragem – têm contribuído para a consolidação de um modelo de desenvolvimento da ciência assente na captação de financiamento competitivo, sobretudo proveniente de fundos europeus, e menos de investimento estruturado previsto no Orçamento do Estado. Esta lógica, reforçada pelas reconhecidas insuficiências no financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e no financiamento das unidades de investigação por esta avaliadas, compromete a capacidade do país para definir e sustentar uma estratégia científica autónoma e duradoura, fazendo da ciência um parente pobre da política nacional.
Manter a situação atual é um erro estratégico com custos elevados para o país. O investimento em ciência e inovação tem retorno positivo – segundo estudos recentes da Comissão Europeia, cada euro investido em investigação e inovação ao abrigo do programa Horizonte Europa pode gerar até 11 euros de retorno económico até 2040 – e é uma alavanca comprovada de crescimento económico e bem-estar social. Mas os trabalhadores científicos não podem continuar a ser esquecidos neste processo. Não pode continuar o desperdício de quadros altamente qualificados que tanta falta fazem ao país para que este consiga alterar o perfil de especialização da sua economia, reposicionar-se no panorama científico e tecnológico global, e projetar um modelo de desenvolvimento social e económico sustentável e com futuro.
Ao mesmo tempo, é importante valorizar a ciência em todas as suas dimensões. Da ciência fundamental à aplicada, passando pelas ciências naturais e as ciências sociais, até às humanidades e às artes. Todas as áreas científicas são importantes para construir uma sociedade decente feita de homens e mulheres, crianças e jovens, mais cultos, esclarecidos e informados. Cidadãos plenos.
Por tudo isto, é preciso inverter a trajetória de desinvestimento e desvalorização da ciência que constitui um ataque à dignidade dos trabalhadores científicos, impossibilitando o desenvolvimento da ciência e os seus retornos sociais. É preciso defender a existência de uma verdadeira carreira de investigação científica, o reforço do investimento público em ciência, e uma FCT que não seja permanente fonte de incerteza e imprevisibilidade.
A ciência é também uma atividade fundamental para a construção do diálogo intercultural, para a promoção da paz, para o combate a todas as formas de discriminação e desigualdade, para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, inclusiva e coesa. Não pode, pois, a comunidade científica nacional deixar-se enganar por derivas belicistas que põe em causa o nosso futuro coletivo.
A FENPROF e os seus sindicatos têm estado sempre na linha da frente da luta pela dignificação do trabalho científico, pela valorização da carreira de investigação e no combate a todas as formas de precariedade laboral. Hoje, no Dia Nacional dos Cientistas, e em vésperas de eleições legislativas, salientamos, uma vez mais, a importância destes trabalhadores para a sociedade portuguesa e o seu futuro. Renovamos também o nosso compromisso em continuar a trabalhar para a construção de soluções definitivas para os múltiplos problemas que afetam a ciência em Portugal, desde logo a precariedade laboral, exigindo ao próximo governo e a todas as forças políticas que venham a ter assento na Assembleia da República que assumam um compromisso claro com a valorização da atividade científica e com a dignificação das condições de trabalho dos seus profissionais.
Viva a Ciência!
Viva o Dia Nacional dos Cientistas!
Vivam os cientistas e todos os trabalhadores científicos!
O Secretariado Nacional da FENPROF
O Departamento do Ensino Superior e Investigação da FENPROF