Artigo:Fazendo Género no Recreio (Maria do Mar Pereira)

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«Fazendo Género no Recreio» é um livro pioneiro feito por uma jovem socióloga e feminista, Maria do Mar Pereira, que decidiu pôr os pés a caminho, entrar numa escola, vivê-la por dentro e desvendar uma realidade pouco ou nada tratada nas escolas portuguesas: o género enquanto construção social e como as diferenças e estereótipos se materializam e vão consolidando nos relacionamentos de jovens estudantes. Neste caso, raparigas e rapazes de uma turma do 8º ano de uma escola de Lisboa, a que Maria do Mar chamou de “Escola Azul”.

Ao aventurar-se numa escola portuguesa encontrou as barreiras de entrar numa instituição ainda muito pesada e fechada sobre si mesma – a Escola. Aliás, ao frequentá-la durante um determinado período do ano lectivo, logo se apercebeu que ela, Maria do Mar Pereira, não se encaixava no seu quotidiano. Nem sequer o computador a tinha previsto. Não era professora, nem aluna, nem auxiliar de acção educativa. Maria do Mar Pereira era uma visitante. Até a forma de tratamento – “tu” ou “você” – reflectiu alguma ambiguidade e desconforto sobre o lugar e o papel da Maria na hierarquia das relações dentro da Escola. Igualmente desconfortável para o corpo docente, o facto de alguém de fora estar a assistir a aulas, embora por outro lado preciosa para tomar conta de uma parte da turma!

E que dizer dos territórios ocupados na escola? Alguém que não frequenta a Sala de Professores, mas convive no Recreio, no Refeitório, na Sala dos Alunos, no Ginásio, na Biblioteca com alunas e alunos, dificilmente encaixava num dos “tipos” de pessoas que frequentam a escola.

Também para as alunas e alunos daquele 8º ano da Escola Azul, a Maria era um “bicho” estranho. Mais velha que elas e eles, mas ainda muito jovem e muito próxima até na forma de vestir, a aproximação foi-se fazendo mas não foi imediata. Ela era “uma ganda cusca” porque estava sempre a questioná-los, a desafiá-los a ir mais longe na reflexão sobre o que diziam e faziam.

«Fazendo Género no Recreio» é um livro que tem logo no prefácio um “manual de instruções” sobre como pode ser lido, tendo em conta os diversos públicos-alvo a que se destina. Como professora, segui as instruções da Maria e foi com muito interesse que o li. É um livro muito acessível, legível e agradável de ler. Maria do Mar Pereira quis com este livro divulgar a sua investigação, partilhá-la e levar-nos a reflectir sobre os estereótipos, as rotinas instaladas, as diferenças de comportamento de raparigas e rapazes, que levam a que se naturalize que as raparigas são cuscas, mas os rapazes curiosos. Os comportamentos considerados tipicamente femininos ou tipicamente masculinos levam a que um determinado traço considerado normal e até saudável nos rapazes – a curiosidade – e eu acrescento nos rapazes cuja masculinidade não revele “ambiguidades”, passe a defeito tipicamente feminino – a cusquice.

«Fazendo Género no Recreio» é um livro muito importante e inovador. Questiona-nos e ajuda-nos a desconstruir práticas e rotinas da Escola que queremos democrática, inclusiva, não sexista e progressista.

Obrigada Maria do Mar pelo teu trabalho e também pelo teu livro

Lisboa, 10 de Outubro de 2013

Almerinda Bento