Artigo:Falta de Professores: Agravamento e ausência de medidas estruturais exigem «Valorização, já! »

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Falta de Professores

Agravamento e ausência de medidas estruturais exigem «Valorização, já! »

José Feliciano Costa | Presidente SPGL

Em Portugal, em finais dos anos 70 e durante a década de 80, a falta de professores também se fez sentir. Contudo, tratava-se de um fenómeno com características próprias, ligadas ao contexto político, social e educativo do país após a Revolução de Abril de 1974.

A Revolução trouxe reformas profundas, entre as quais o alargamento da escolaridade obrigatória e o acesso universal à educação. Esse processo provocou um rápido aumento do número de alunos nas escolas, sobretudo no ensino básico, criando uma necessidade urgente de professores. O sistema   educativo, porém, não estava preparado para responder a essa procura. Muitos docentes ingressaram nas escolas sem formação pedagógica adequada — os chamados «provisórios» ou «contratados».

A luta do movimento sindical, com forte envolvimento do SPGL (anterior à formação da FENPROF, que surgiu em 1983), centrou-se na necessidade de dotar a profissionalização docente de um modelo ajustado às múltiplas funções que a nova escola e a nova sociedade exigiam.

Hoje, o contexto e as causas da falta de professores são bem diferentes. Resultam de um claro processo de desinvestimento sistemático na educação e na ciência, com consequências profundas a vários níveis — em especial na desvalorização da carreira docente. Esse desinvestimento tem conduzido, ao longo dos anos, ao abandono sucessivo de milhares de professores qualificados e à crescente dificuldade em atrair jovens para a profissão.

O congelamento do tempo de serviço (entre 2005 e 2017, com variações conforme os governos) travou a progressão na carreira. Durante anos, não houve aumentos salariais reais, levando a uma perda significativa do poder de compra dos docentes. A isto somam-se as colocações longe de casa, o peso das despesas com deslocações e alojamento, a instabilidade dos contratos temporários, a rotação anual de escolas e a sobrecarga de trabalho e burocracia.

Os resultados estão à vista: neste ano letivo, milhares de alunos iniciaram as aulas com, pelo menos, um professor em falta — uma situação particularmente grave em todos os ciclos de ensino, mas que assume maior impacto no 1.º CEB e na Educação Pré-Escolar, etapas determinantes para o sucesso do processo de ensino-aprendizagem e para todo o percurso escolar dos alunos.

Este cenário tem vindo a agravar-se de ano para ano e tende a piorar, já que as projeções apontam para cerca de 4 000 aposentações de professores por ano nas próximas duas décadas e meia. Pouco ou nada tem sido feito para inverter esta situação. O Ministério da Educação continua a apresentar «planos de sucesso» de ambição limitada, que se traduzem sobretudo no aumento do número de horas extraordinárias atribuídas aos docentes, na contratação de professores com habilitação própria e, cada vez mais, no recurso a pessoas sem qualquer qualificação docente, contratadas como «técnicos especializados».

O verdadeiro combate a este problema exige medidas estruturais que devolvam atratividade à profissão e à carreira docente. Entre essas medidas devem constar: 

  • a eliminação da precariedade; 
  • a regulamentação de horários e condições de trabalho justas; 
  • a recuperação integral do tempo de serviço; 
  • o fim das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões; 
  • a criação de um regime de aposentação adequado às especificidades da profissão.

Só assim será possível recuperar os muitos docentes que abandonaram o ensino e atrair novas gerações para a docência. Tal exige um efetivo processo de revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD), que o atual governo parece querer adiar indefinidamente — o que torna indispensável o envolvimento ativo de todos os professores neste processo.

Vivemos um momento decisivo. Por razões financeiras e/ou ideológicas, o atual governo parece usar o setor da educação como um balão de ensaio para um plano que compromete seriamente o futuro da Escola Pública e da profissão docente.

Os professores têm de ser os principais protagonistas na defesa dos seus direitos, através de uma participação ativa e consciente em plenários e debates, demonstrando unidade e determinação na luta por uma escola pública de qualidade e por uma carreira docente digna. 

Texto original publicado no Escola/Informação  n.º 312 | setembro/outubro 2025