Artigo:Estratégia de tensão

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Estratégia de tensão

“O ambiente de segurança mudou fundamentalmente. O único país que ameaça a segurança europeia, e está agora a levar a cabo uma guerra de agressão é a Rússia” (Público, 17.05.2022).

Estas declarações da primeira-ministra finlandesa Sanna Marin que marcam a adesão oficial do seu país à NATO, a que se seguirá a da Suécia que se prepara para seguir em breve os passos do país vizinho, assinalam a gravidade da atual situação política internacional. Países neutrais no passado, a Finlândia e a Suécia tornar-se-ão membros da NATO, com o apoio da grande maioria dos cidadãos destes países nórdicos que, antes da invasão da Ucrânia pela Rússia do autocrata Putin, se opunham à integração nesta aliança militar. A principal responsável por este passo é, indubitavelmente, Rússia que assim se vê ‘cercada’ por países membros da NATO, abrindo também a porta à futura adesão da Ucrânia numa guerra que aquela não consegue vencer e que acaba por se virar contra si própria. Antes da invasão, a Alemanha opunha-se a esta adesão. Atualmente, já não se lhe opõe, para além de fornecer armamento aos defensores do país invadido.

Está em curso uma perigosa estratégia de tensão que tem dois protagonistas: a Rússia de Putin, por um lado, os EUA e o Presidente da República ucraniana Volodymyr Zelensky, por outro lado. Joe Biden, coadjuvado pelo primeiro-ministro da  colónia britânica do seu país na Europa, Boris Johnson, acusa o regime russo de cometer um genocídio na Ucrânia, integrando-se numa linha de orientação política que visa mais humilhar Rússia do que propriamente defender o povo ucraniano, apesar do fornecimento de armas de grande precisão que, juntamente com a resistência dos combatentes de um país invadido por uma superpotência cada vez mais debilitada, têm conseguido evitar a conquista do país e a instauração de um regime fantoche pró-russo.

Zelensky, que se transformou numa estrela mediática, revelou desde o início uma enorme irresponsabilidade política ao exigir a instauração de uma zona de exclusão aérea que protegesse a Ucrânia dos bombardeamentos russos, o que conduziria inevitavelmente a um conflito nuclear com consequências catastróficas a nível global. Mais recentemente, esta personagem estabeleceu um paralelo sem nenhum fundamento entre o regime de Putin e o nazismo. O primeiro é um regime autocrático herdeiro do “chauvinismo grão russo” do império czarista a que Lenine, numa carta a Kamenev de 6 de outubro de 1922, tinha alegoricamente declarado “guerra” com a sua defesa do princípio da rotatividade dos membros do Comité executivo central da União que deveria ser “presidido, alternadamente, por um russo, um ucraniano, georgiano, etc.” (Lewin, Moshe – Le Siècle Soviétique, Paris, Fayard/Le Monde Diplomatique, 2003, p. 42. Há uma tradução portuguesa desta obra magnífica). O segundo tinha como objetivo a escravização dos povos eslavos e o extermínio dos que eram considerados “racialmente inferiores”, de que se destaca o povo judaico. Colocar ambos no mesmo plano não apenas contribui para branquear o holocausto nazi, mas também para ocultar a natureza genocida deste regime. Tal não obsta a que os massacres e violações alegadamente cometidos pelas tropas russas em Bucha e outras localidades ucranianas sejam investigados por um tribunal penal internacional e os seus responsáveis severamente punidos como criminosos de guerra.

Felizmente, nem todos contribuem para esta estratégia de tensão. Do lado ocidental, destacam-se a Alemanha e a França. Olaf Scholz, primeiro-ministro alemão, pediu uma trégua a Putin, enquanto o Presidente da República francesa Emmanuel Macron defendeu que a paz deverá ser conseguida sem “humilhar” a Rússia e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Yves Le Drian, disse ajuizadamente que se deve “manter um meio de diálogo, um vetor de possível discussão”, tendo em conta que “o Presidente Putin não quer falar com o presidente Zelensky, que considera ser irresponsável, não representativo e ilegítimo” (DN, 15.05.2022). Do lado russo, o coronel na reforma Mikahil Khodarenok, num comentário na televisão estatal russa na segunda-feira em horário de grande audiência, afirmou que “o maior problema da situação política militar é o total isolamento geopolítico” da Rússia e que “é preciso resolver a situação” (Público, 18.05.2022).

É preciso dar uma oportunidade à paz, sem deixar de condenar inequivocamente a agressão russa à Ucrânia que viola o direito dos povos à autodeterminação e independência, defendido por Lenine no seu célebre opúsculo de 1914 Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação, bem como o direito internacional, e também expressar sem reservas solidariedade com o povo ucraniano vítima da agressão russa.  Por isso, é no mínimo inconcebível que alguns – que se afirmam solidários com todos os povos do mundo com a exceção do povo ucraniano – tenham votado no último congresso da FENPROF, a maior federação portuguesa de professores com um grande historial de intervenção cívica, contra uma moção de solidariedade com aquele povo. Mais inconcebível ainda é que a moção tenha sido aprovada com uma curtíssima vantagem. Eis como os que não se cansam de apelar à paz em abstrato, não estão verdadeiramente dispostos a dar-lhe, concreta e especificamente, uma oportunidade nesta guerra, alinhando, na prática, com a invasão russa da Ucrânia que consideram nem sequer ter existido e ter sido perpetrada pelos EUA e pelo “cerco” da NATO à Rússia, país que, desde 2014, exerce, segundo eles, um pretenso direito de autodefesa contra o ‘império do mal’ liderado pelos ‘demónios’ norte-americanos. Em suma, segundo esta tese bizarra e absurda, não teria sido a Alemanha a invadir a Bélgica e a Polónia em 1914 e em 1939, respetivamente, mas, pelo contrário, a Bélgica e a Polónia a invadirem a Alemanha para se “autodefenderem”. Uma coisa é certa: a História não os absolverá se persistirem em percorrer esta senda.

Joaquim Jorge Veiguinha