Estamos todos convocados para mais esta luta
Os resultados das eleições legislativas de 10 de março deram uma vitória tangencial à coligação da direita entre PSD, CDS e PPM, a qual teve uma votação conjunta inferior à soma das votações do PSD e CDS nas últimas legislativas. Registou-se, também, uma subida exponencial da extrema-direita e uma derrota clara do PS, que perde cerca de 486 mil votos.
Numa análise mais fria destes resultados, poderíamos dizer que a diminuição do apoio eleitoral ao PS se deveu à incapacidade de formar um Governo qualificado, num executivo marcado por situações de incompetência, de arrogância e até de nepotismo. A isto, poderá acrescentar-se o descontentamento face a promessas que nunca se cumpriram, o sub-investimento crónico nos serviços públicos, o fraco crescimento dos salários, a precariedade, os custos da habitação e um rol de trapalhadas a que a comunicação social também deu grande ampliação.
Conhecido o Programa do governo, entretanto já aprovado na AR, no que diz respeito à Educação e Formação, no capítulo 7, confirmam-se as preocupações já manifestadas em relação a um governo ao qual nunca concedemos nenhum estado de graça nem o benefício da dúvida.
Naquele capítulo da Educação, o programa dá relevo a um conjunto de preocupações sobre o sistema educativo, nomeadamente a instabilidade social nas escolas e a gravidade da falta de professores, reconhecendo a importância de uma educação de qualidade e da valorização da profissão docente como forma de atrair jovens para a profissão. Este é um conjunto de preocupações que também subescrevemos, com a diferença de que nunca poderemos desligar a resolução destes problemas do investimento na Escola Pública.
E aqui começam as preocupações pois, logo a seguir, as medidas que o programa propõe para a resolução destes problemas passam por: “Redefinir o papel do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, atribuindo-lhe responsabilidades de regulador e não de decisor sobre o funcionamento de todas as escolas públicas”.
É neste quadro que o programa admite a valorização da carreira docente, pese embora o facto de o único compromisso verdadeiramente quantificável ser: “Iniciar a recuperação integral do tempo de serviço perdido dos professores a ser implementada ao longo da legislatura à razão de 20% ao ano”.
O programa propõe, ainda, a intenção de alterar o modelo de colocação de professores, retomando propostas derrotadas pela luta dos professores na anterior legislatura. Por exemplo, o recrutamento de docentes pelos diretores volta a ser apresentada, o que é no mínimo estranho, pois trata-se de voltar a abrir uma “guerra” com os professores para quem procura, acima de tudo, que a paz volte às escolas.
Sobre o Ensino Superior, o que se destaca em todo o documento é a necessidade de reforço da ligação às necessidades das empresas, como elemento essencial das políticas de investimento no Ensino e Investigação.
Está claramente em curso uma reconfiguração da Escola Pública, preparando-se o Estado para se demarcar das suas responsabilidades e diminuindo o seu papel na Educação que é, como todos sabemos, um pilar estruturante de qualquer democracia.
Volta a estar na moda a narrativa da atribuição dos vouchers ou “cheques-ensino”, da “liberdade de escolha individual” que já provou ser catastrófica nos países em que foi implementada, reforçando até as condições de pobreza em largos segmentos da população e abrindo as portas ao surgimento de novos pobres.
Serão difíceis os tempos que se avizinham e estamos todos convocados para mais esta luta. E reforçar os sindicatos como esteios neste combate é também uma exigência.
Vamos à luta!
Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 42 | março/abril 2024