Artigo:Estamos cá. Lutamos. Aprendizes e frutos destes 50 anos de partilha

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Estamos cá. Lutamos. Aprendizes e frutos destes 50 anos de partilha

Lígia Calapez
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Jornalista |

"É preciso falhar, para depois acertar. Nestes 50 anos, falhou-se e acertou-se. Não é só sombra e luz, como nesta peça, Da Noite para o Dia. Há insatisfações e concretizações. E todas têm um lugar. Mas é preciso ter voz. É preciso ter liberdade e uma vida com cor. 50 anos que sabem a insatisfação. Cinco décadas que nos dizem que são precisas muitas mais. Estamos cá. Lutamos. Por nós e pelas pessoas que ouvimos. Estamos cá. Vivos. Aprendizes e frutos destes 50 anos de partilha.”

Este um breve e significativo extrato da criação dramatúrgica e cénica de uma turma de Teatro – 12º ano, da Escola Secundária de Camões, para assinalar os 50 anos do 25 de Abril. Que integra o Projeto Cultural da Escola e junta-se ao programa das comemorações que esta preparou para este ano.

Estivemos numa das apresentações de Da Noite para o Dia, de que aqui referimos algumas falas. Uma criação com base na recolha de testemunhos de familiares de alunos, que viveram a ditadura e a revolução.

Todo um trabalho, essencial, para que as memórias não se percam. Marcante, para quem o fez – jovens com os seus professores, a sua escola, a comunidade. E também para quem os foi ouvir e ver (e até relembrar passados experienciados).

“Ouvimos muitas gravações. As pessoas são engraçadas quando estão a contar histórias e a lembrar-se de coisas. São engraçadas mesmo quando estão a lembrar de coisas que foram difíceis. E isso também é bonito. Perceber que depois da tragédia, ainda podemos sorrir para ela. Rir é o melhor remédio. Não. Impedir é o melhor remédio.”

Impedir, sim. “Porque houve coisas que também foram duras de ouvir. A pobreza extrema é dura de ouvir. A perseguição é dura de ouvir. A cobardia, a retaliação. E a submissão ao poder despótico e ignorante. São tudo coisas duras de ouvir. Especialmente quando ouvimos da voz de quem as sentiu na pele.”

Impedir, alertar. 

Porque “as pessoas, aliás, vocês que aqui estão, vão dizer que isto não foi bem assim. Porque há sempre quem duvide. E é verdade. Isto não foi bem assim. Porque isto aqui é teatro. Mas aquilo que as pessoas que nós entrevistámos nos contaram não era teatro”.

Porque, não pode haver paciência “para o que aí vai. Que a política falhou, que a democracia falhou, que são todos iguais. Que o que é preciso é ordem. Porque dantes era muito melhor… Há pessoas que hoje em dia já se dão ao luxo de não querer a liberdade”.

Um alerta, um relembrar de memórias essencial. A que os jovens somaram outro passo fundamental. A afirmação da sua voz. O delinear e proclamar do que desejam como futuro. Uma ponte entre passado e futuro.

Oiçam bem!

Entre outubro de 2023 e março de 2024, os alunos da Escola Secundária de Camões elaboraram, a partir de processos de auscultação, um Caderno Reivindicativo. Uma iniciativa que nasceu no Camões e que cresceu com o apoio do Plano Nacional das Artes. Objetivo: “abrir um espaço de diálogo construtivo entre os decisores políticos e os jovens alunos para que a educação seja cada vez mais democrática e se ajuste ao mundo contemporâneo”.

“Agora quero ser ouvido! Agora, sou eu a falar! Sou uma pessoa em construção e quero ser o autor do meu futuro!” – são as primeiras exigências “aos responsáveis pela nossa educação”. Que se articulam com muitas outras. Mais aulas no exterior, mais educação cultural, um ensino mais diferenciado e experimental, incluir disciplinas mais práticas, uma avaliação mais construtiva, maior flexibilidade no horário das disciplinas artísticas, salas especializadas, abolição dos exames. Colocando questões como “é tão urgente a arte como a ciência, é tão urgente a poesia como a tecnologia!” Ou ainda, “A Escola não pode matar a criatividade”.

E querem ser ouvidos. Ser representados “por quem pensa como nós”, ter mais contacto com a natureza, fazer da escola um salão de arte, uma avaliação não apenas baseada em testes.

Assim, e porque, “também nós fazemos a Escola”, exigem:

Intervir em tomadas de decisão; Fazer parte do Conselho Pedagógico; Participar nos conselhos das instituições culturais; Propor preocupações, assuntos e temas para debate; Interculturalidade na Educação e na Cultura; Valorização das Artes e das Culturas; Aulas mais experimentais e criativas do que expositivas; Mais projetos menos matérias; Melhor qualidade dos materiais; Mais materiais e salas para projetos e educação artística; Mais atividades curriculares com vista a uma escolha mais consciente do Ensino Superior; Mais aulas no exterior; Mais visitas de estudo gratuitas; Mais espaços verdes com equipamento ecológico; Uma horta-jardim para cada escola; Espaços culturais menos intimidantes e mais abertos às nossas propostas; Mais Segurança; Visitas de estudo ao estrangeiro; Mais educação para a cidadania; Mais avaliação formativa do que a sumativa; Menos exames; Revisão dos critérios de avaliação; Revisão dos critérios do acesso ao ensino superior.

Um caderno quer se encontra “em aberto a qualquer contribuição construtiva”. E cujas reivindicações estiveram bem presentes na Ação Vamos todos à Manif na Alameda de dia 26 de abril, que reuniu, num encontro entusiástico, dezenas de alunos de várias escolas, em particular da Escola Secundária de Camões, Agrupamento de Escolas Marquesa de Alorna e Escola António Arroio. 

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 308 | maio/junho 2024