Artigo:ESCOLA INFORMAÇÃO Nº 255

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EXIJAMOS A QUEM GOVERNA UM MÍNIMO DE VERGONHA

1. Um secretário de estado da área da Educação reconheceu frontalmente que mais de dez mil crianças do ensino básico chegam à escola com fome e muitas delas é apenas lá que conseguem alimentar-se. É provável que o número seja bastante superior, a que deve somar-se o número de crianças subalimentadas. Várias câmaras, entre as quais a de Lisboa, tomaram já medidas excecionais e disponibilizaram verbas para amenizar este flagelo. Todos os docentes sabem, por experiência, as consequências que este estado de miséria tem no aproveitamento e na disciplina.A fome visível nas nossas escolas permite avaliar a miséria e a fome que atravessam largas faixas da sociedade portuguesa. Não quero dizer que os governantes não se preocupem com a existência da fome. Também para eles era melhor que não houvesse. Mas consideram-na tão só como um “dano colateral”. Tal como nas guerras a morte de civis num bombardeamento que se pretende cirurgicamente orientado para alvos militares são “danos colaterais”, isto é, lamentam-se mas não podem perturbar os objetivos a atingir, também para o governo PSD/CDS a fome é um dano colateral. Atrapalha, deve lamentar-se, mas mais importante que isso é cumprir o memorando da troika, facilitar os despedimentos, baixar salários… O número de portugueses abaixo do limiar de pobreza chega já aos 30%! E perante estes dados que envergonham qualquer país que se pretenda socialmente europeu, o governo e a troika continuam a vangloriar-se de que tudo está a correr muito bem, como estava previsto. Quase se pode concluir que a fome já fazia parte das previsões.O orçamento de Estado para 2013 que, quando este número do EI chegar a casa dos leitores, terá já sido certamente aprovado, pela retração económica e aumento do desemprego que prevê – e que a maioria dos economistas e instituições adequadas consideram otimistas – agravará ainda mais esta situação de fome e miséria. Optar por uma outra política, que ponha a dignidade das pessoas no centro das análises e das medidas socioeconómicas, é um imperativo de cidadania.2. Todos nós temos consciência de que, nas condições atrás referidas, falar de “igualdade de oportunidades” é uma insensata mistificação. E impor a essas crianças já socialmente desfavorecidas um outro “castigo” – que seria obrigá-las ou empurrá-las para formas de escolaridade de menor valia – seria uma dupla penalização. A opção livre e esclarecida por vias “académicas” ou ”profissionais” só é aceitável no curso secundário e se ambas as vias forem igualmente credibilizadas. Encarar a via profissional como uma solução desqualificada, imposta aos alunos mais fracos, é destruí-la. E, por outro lado, é consolidar na escola uma exclusão social a que os alunos já estão anteriormente sujeitos. A discussão sobre a importância das vias profissionais é necessária; mas assentá-la nos pressupostos do “castigo para os repetentes” ou no modelo “dual” alemão é prejudicá-la logo à partida.3. Em que “estado de direito” se pode admitir a alteração radical das regras para a aposentação em clara violação das expetativas criadas face a leis que se julgariam minimamente estáveis? Em que estado de direito se pode aceitar que cidadãos a escassos meses da aposentação vejam, inopinadamente e sem qualquer gradualismo, esse momento adiado por 9 ou 10 anos? Haja um mínimo de vergonha!4. Para muitos de nós, este é, nos últimos anos, o primeiro sem subsídio de Natal.