Artigo:Escola Informação Nº 304, julho 2023

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Esta é uma injustiça que os professores não vão tolerar, a destruição da carreira docente, e o governo sabe-o


José Feliciano Costa . Presidente do SPGL


“Temos de arranjar forma de travar a carreira dos professores, impedindo que a esmagadora maioria aceda ao último terço da carreira, temos que travar a progressão desta gente”. Se isto foi dito desta forma ou de outra em 2005, no núcleo duro do governo da altura, não sabemos, consta que sim. Que esta intenção começou a ser operacionalizada e passou à prática naquela altura, disso nenhum docente tem dúvidas.
Foi o tempo do início de um ataque sem precedentes à figura, à honorabilidade e à profissionalidade dos docentes e à sua carreira. O tempo em que o então ministro das finanças, Teixeira dos Santos, dizia num jantar com empresários que a educação era cara porque os professores ganhavam muito.
Tempo em que o governo da altura construiu uma central de comunicação para desgastar a imagem dos professores e da Escola Pública, usando pontas de lança bem colocados em toda a comunicação social, alguns bem conhecidos “opinadores”, que apareciam diariamente nos jornais, na rádio e na televisão, cumprindo diligentemente o seu papel.
Também gente com responsabilidades no governo, nomeadamente secretários de Estado, como Válter Lemos e Jorge Pedreira e, claro, a própria ministra Maria de Lurdes, que gritava alto e bom som: “Perdi os professores, mas ganhei a opinião pública”.
Tempo do discurso do “mérito”, da avaliação de desempenho rigorosa e de outras frases bem-sonantes, este era o governo socialista de então, com a clara intenção de destruir o ECD e de pagar menos aos professores, condição imprescindível para a redução do défice, pois era o tempo das contas certas.
De facto, o ECD foi praticamente destruído por um regime de avaliação de desempenho profundamente burocratizado, com uma infinidade de itens e grelhas, que nunca conseguiram garantir um mínimo de rigor e objetividade e uma carreira dividida em duas, a de professor e professor titular. Com esta divisão, o acesso à segunda categoria era muito limitado por quotas, pois a ela só podiam aceder cerca de 1/3 dos docentes. A primeira categoria, a de “simples” professor, era uma espécie de subcategoria onde ficaria retida a esmagadora maioria dos professores e que era destinada aos que “apenas” davam aulas.
A assinatura do acordo de 2010, como já foi dito, foi um ato de grande responsabilidade e desse acordo, o que se destaca é o fim da divisão espúria entre professores e professores titulares.
Mudam-se os tempos, mas mantêm-se as vontades, podíamos afirmá-lo, porque a intenção de impedir que a esmagadora maioria dos docentes atinja os últimos patamares da carreira está viva e bem viva.
Existe, também, um discurso consertado e amplamente difundido, até por vários membros do atual governo. Por exemplo, a comparação com as outras carreiras da Administração Pública, no que à recuperação do tempo de serviço diz respeito, sabendo perfeitamente que, salvo raras exceções, como no caso dos docentes, em todas as outras carreiras, os períodos de congelamento foram recuperados praticamente na íntegra através do sistema de pontos.
Aliás, no caso das carreiras unicategoriais, os docentes foram os únicos que não recuperaram a totalidade do tempo de serviço, mas apenas no continente, pois a situação das Regiões Autónomas, como sabemos, é diferente.
Esta é uma injustiça que os professores não vão tolerar, a destruição da carreira docente, e o governo sabe-o. Os professores não toleraram o discurso do ministro que os tutela, que afirma que os professores prejudicados pelos congelamentos podem aspirar a chegar a um dos três escalões mais altos.
Aspirar, senhor ministro? Não, nós queremos mesmo chegar ao topo e por isso não desistimos de lutar.
Em setembro, lá estaremos outra vez na luta para reconstruir a profissão docente e a dignidade da Escola Pública.