Artigo:Escola Informação Digital nº11 . outubro 2016

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Se podes olhar, vê; e se podes ver, repara!


José Alberto Marques . Diretor Escola Informação


No dia 14 outubro foi conhecido oficialmente o Orçamento do Estado para o próximo ano, assim como as quatro prioridades políticas que o Governo entende serem fundamentais nesta proposta: prosseguir a recuperação de rendimentos das famílias, promover o investimento, desenvolver o estado social e apostar no conhecimento.
Para a prossecução dos objetivos definidos são apresentadas pelo Governo as várias medidas consideradas relevantes, nomeadamente a atribuição de manuais escolares gratuitos a todos os alunos do 1º ciclo da rede pública de ensino, a universalização efetiva da educação pré-escolar a partir dos 3 anos de idade, a contratação de docentes e investigadores, de modo a reforçar o emprego científico e a facilitar a entrada de jovens doutorados nas carreiras académicas, entre outras.
Nesta proposta, e no que diz respeito ao Ministério da Educação e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, verifica-se uma ligeira melhoria na sua dotação financeira: um acréscimo de 3,1% (179,4 M€) e 5,8% (131,8M€) respetivamente, que, no essencial, apenas cobre a reposição salarial que ocorreu faseadamente em 2016. Ora, sem pretender pôr em causa a importância destas medidas, sendo a Educação e a Ciência um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de qualquer país, várias outras ficaram por orçamentar. É imprescindível fazer uma opção clara de mais investimento nestas áreas, pois só assim se promoverá um crescimento mais sustentável e se resolverão muitos dos problemas estruturais que se criaram nos últimos anos.
Nesse sentido, há que reforçar as verbas para a Educação e Ciência, respondendo desta forma às necessidades do sistema educativo. É essencial que a discussão na especialidade crie condições que permitam responder às legítimas aspirações, podemos mesmo dizer expectativas, dos docentes relativamente a um conjunto de matérias que são estruturantes. Desde logo, o problema do horário de trabalho, relativamente ao qual é urgente esclarecer o que se considera horário letivo e quais as tarefas que integram a componente não letiva. Do ponto de vista da FENPROF e dos seus sindicatos, não faz qualquer sentido não considerar na componente letiva dos docentes o trabalho que desenvolvemos diretamente com os nossos alunos. Outra questão que se coloca, e estudos realizados confirmam-no, é a do envelhecimento e desgaste dos docentes em exercício. Urge combater esta situação, o que só será possível com a aprovação de um regime especial de aposentação que permita, nomeadamente, que docentes que já perfizeram 40 anos de serviço se aposentem já, sem qualquer penalização. À resolução deste problema ligamos um outro, que é a precarização do trabalho, que na nossa profissão atinge os níveis que todos nós conhecemos. É fundamental assegurar estabilidade no exercício da profissão, há que conseguir a vinculação de colegas que, com o seu esforço e profissionalismo, têm garantido a qualidade da escola pública e contribuído para o prestígio de que esta goza junto da população portuguesa.
Dois outros problemas que carecem de resolução urgente se nos colocam: o do descongelamento das nossas carreiras e a contagem integral do tempo de serviço prestado, querendo com isto afirmar “Cumpra-se o Estatuto da Carreira Docente em vigor”! e um outro que se prende com a gestão das nossas escolas, que se quer democrática e participada, condição indispensável à prossecução dos objetivos definidos, isto é, à construção de uma escola pública de qualidade para TODOS.
Mas este orçamento pode ir mais além. Deverá estabelecer regras que efetivem o direito à contratação coletiva, consagrado na Constituição, assegurando a revogação da norma que permite às entidades patronais declararem unilateralmente a caducidade dos contratos em vigor e que permitam a reintrodução do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, garantindo desta forma a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e das suas famílias, condição indissociável do desenvolvimento económico e social do país e da afirmação da democracia.
O livro Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, tem esta frase fabulosa: "Se podes olhar, vê; e se podes ver, repara!" Reparar, na verdade, é ampliar o olhar para aspetos que merecem consideração e não devem passar despercebidos. Com esse propósito, é importante que os grupos parlamentares que sustentam o Governo, consagrem no Orçamento de Estado medidas que valorizem os seus docentes e investigadores e impulsionem a escola pública de qualidade, ao contrário do sucedido nos últimos anos de governação.