Ensino Superior Público e gestão de Politécnicos e Universidades
RJIES, documento preserva os pilares da empresarialização
André Levy | Dirigente sindical - DESI
No passado 6 de fevereiro, o Conselho de Ministros aprovou o seu projeto de revisão do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES). Não obstante alguns avanços positivos deste projeto relativamente ao rascunho original, o documento agora aprovado pelos ministros (que terá de ser discutido na Assembleia da República) preserva na sua essência os pilares da empresarialização do Ensino Superior Público e da gestão dos Politécnicos e Universidades, apartada da participação democrática das comunidades académicas.
O primeiro destes pilares veio receitado no relatório da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico no qual o RJIES de 2007 se baseou: «os mecanismos do mercado são, quase sempre, mais eficientes na regulação da oferta e da procura das diversas formas de aprendizagem para os diversos grupos de clientes», lia-se.
O projeto de RJIES agora votado contém algumas normas que permitem às Instituições de Ensino Superior (IES) gerir os seus orçamentos com maior estabilidade e previsibilidade, mas um dos maiores entraves à real autonomia daquelas decorre do subfinanciamento crónico a que estão submetidas, e que permanece incólume. O projeto mantém também a possibilidade de as IES se transformarem em fundações públicas em regime de direito privado. Na prática, este singular regime fundacional não veio concretizar as vantagens contabilísticas e de gestão financeira tão propaladas, mas veio sim produzir um agravamento da precariedade laboral e a divisão dos docentes e investigadores em duas castas com diferentes direitos dentro das fundações: a dos contratados no direito público e a dos contratados no direito privado. Esta segregação é particularmente grave nas unidades de investigação que são ficticiamente apresentadas como instituições privadas sem fins lucrativos (IPSFL) e que operam como reais offshores laborais das Universidades e Politécnicos. Ali os trabalhadores nem podem eleger ou ser eleitos para os órgãos de governo das Universidade ou Politécnico para a qual trabalham. O novo projeto de RJIES continua a fomentar a criação de mais IPSFL.
O projeto fica aquém da mudança necessária para se concretizar a gestão democrática das IES. Para o conseguir seria preciso restaurar o poder e funcionalidade do Senado Universitário e das Assembleias de Docentes e Investigadores, e alargar a votação direta à eleição dos diretores dos Departamentos e das Unidades Orgânicas.
Apesar da convergência real que se observa entre o subsistema universitário e politécnico, o projeto do Governo preserva a continuidade de um “sistema binário” Politécnico vs. Universitário, com fronteiras rígidas e clivagem de condições laborais. A FENPROF continua a defender a necessidade de um “sistema unitário”, integrado e diversificado.
Os sindicatos da FENPROF exortam a Assembleia da República que reformule o projeto de RJIES do Governo para o tornar num instrumento que permita um Ensino Superior Público mais democrático, participado e colegial, que sirva a sua missão de ensino e investigação no interesse público.
Texto original publicado no Escola/Informação n.º 310 | janeiro/fevereiro 2025