Educação Inclusiva — Percurso histórico
O caminho de uma escola de qualidade, justa e democrática
Jorge Humberto | Dirigente sindical
Desde os anos 70 se defende a igualdade de direito à educação para todos e a transformação da escola como forma de responder à universalidade de acesso e de sucesso. A ideia de aprender juntos com respostas adequadas, obriga a mudanças nas atitudes e nas práticas pedagógicas, bem como na organização, gestão, financiamento, recursos, formação dos docentes, nos currículos e, especialmente, na compreensão de que as barreiras estão na sociedade e não na pessoa, rejeitando respostas paralelas ou artificiais, face ao contexto natural onde a aprendizagem e o desenvolvimento devem ocorrer.
As conquistas do 25 de Abril de 1974, permitiram uma transformação na forma de olhar e educar as pessoas com deficiência, que até então estavam excluídas ou beneficiavam de alguns projetos pontuais ligados a Associações, passando a desenvolver-se uma política de igualdade de direitos, com uma massificação de respostas, quer em cooperativas de pais, quer na integração no ensino regular.
O Estado assumia a educação de todos sem exceção, através da Constituição Portuguesa de 1976 e a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986, introduzindo o conceito de escola para todos, que permitiu a integração progressiva no ensino público dos alunos com Necessidades Educativas Especiais.
Finalmente, em 1991, foi publicada a primeira legislação específica, o Decreto-Lei 319, que responsabilizava a escola e todos os professores, pela educação destes alunos, apontando práticas pedagógicas diferenciadas e a implementação de medidas de apoio para responder às diferenças. Em 1997 o Despacho Conjunto 105.º, veio reforçar este caminho, criando localmente Equipas de Coordenação dos Apoios Educativos (ECAE), procurando integrar todas as respostas, coordenar a atuação dos professores e aprofundar a diferenciação curricular.
Em 2018, o Decreto-Lei n.º 3 revogou os anteriores, aprofundando o conceito de Educação Inclusiva e a sua implementação através de medidas específicas, mas destinadas à Educação Especial, isto é, a uma população específica. Esta dicotomia, a par da classificação de alunos como forma de acesso às medidas e a criação de processos burocráticos complexos, criaram contradições com o próprio conceito de inclusão. Há um desvio do caminho anterior de unificação e articulação de respostas, criando uma lei de Educação Especial com o propósito de incluir os “seus” alunos.
A desejada “contaminação” daquilo que vinha sendo implementado no “Especial”, nunca foi bem conseguida, dado que isso representaria mudanças muito mais profundas no sistema, na formação de professores e no reforço financeiro, que nunca se resolveram. Estas continuam a ser as barreiras principais à concretização de uma escola onde todos possam aprender juntos.
Temos finalmente o atual Decreto-Lei n.º 54/2018, que pretendeu decretar um regime de Educação Inclusiva, sem resolver as barreiras anteriores, nem encontrar soluções substancialmente diferentes. Usa uma retórica inclusiva, mas na prática não generaliza a inclusão a toda a escola, propondo essencialmente uma mudança circunscrita à forma como atender alunos com Necessidades Específicas, quando o resto falha. Persistem ainda outros problemas como a forma de olhar a participação e autodeterminação, bem como os aspetos da progressão e certificação, nunca clarificados.
Apesar deste caminho ter uma evolução assinalável e representar um esforço nacional, há condições essenciais que nunca mudaram realmente e que se mantêm como barreiras, nomeadamente a dificuldade de operar mudanças numa organização e gestão escolar que se quer democrática, na diferenciação curricular e das práticas, na falta de recursos e de equipas, assistentes e professores especializados e na dificuldade de ter um olhar integrado de um sistema onde todos os professores são de inclusão.
A linguagem tornou-se ainda mais estigmatizante, como “os alunos da educação inclusiva” e veio legitimar a invisibilidade de necessidades e práticas incorretas, ou manter as anteriores com uma linguagem criativa. Aprofundou um sistema burocrático labiríntico e interpretações díspares por todo o país, que denotam assimetrias e desorganização. São ainda criadas estruturas paralelas artificiais, desconectadas da organização natural escolar, que os Agrupamento nunca conseguiram resolver. Isto revela que, para além das barreiras principais se manterem, a própria legislação tornou-se numa barreira, mudando algo, para que tudo fique na mesma.
O conceito de inclusão é hoje transversal na sociedade, mas cabe à escola um papel fundamental na sua defesa e implementação, não só para os alunos com deficiência, mas para todos os que apresentam insucesso ou risco de exclusão como os jovens desfavorecidos, imigrantes, refugiados, LGBTQI, com problemas de saúde, vítimas de violência familiar ou bulliyng, de etnias, minorias religiosas e culturais ou aqueles a quem a escola falhou.
É essencial uma nova arquitetura legislativa a partir da avaliação independente dos investimentos e da aplicação da atual legislação, no sentido de aferir se realmente estamos a cumprir os objetivos e a contribuir para melhorar a inclusão num sistema educativo mais equitativo e qualificado em todo o país.
Temos de reforçar o caminho de uma escola pública que recusa a reprodução das desigualdades, das quais não conseguiu libertar-se, apesar da democratização e da igualdade de oportunidades que defende. A inclusão social começa a ser construída pela Educação Inclusiva, que é afinal uma educação de qualidade, libertadora, numa escola democrática que promove a justiça.