Artigo:Educação em tempos de guerra

Pastas / Informação / Todas as Notícias

Educação em tempos de guerra

André Levy
Dirigente Sindical, E. Superior e Investigação

A educação pode ter um papel crucial na criação de uma cultura de tolerância e compreensão. A escola, nos vários níveis de escolaridade, é um local privilegiado para incutir os valores da paz, desenvolver as capacidades de escuta ativa e diálogo construtivo, de mediação e cooperação, de conhecimento, respeito e empatia pelo outro. Em 2004, os membros da Internacional da Educação (IE) aprovaram uma resolução para “promover a educação para a paz e o conhecimento intercultural como o melhor antídoto contra os fenómenos racistas e fundamentalistas de forma a prevenir conflito social e o recurso a violência social”. Em 2008, a IE adaptou a declaração «As Escolas devem ser Santuários Seguros», exigindo que as escolas fossem respeitadas e protegidas como zonas de paz, onde os alunos pudessem aprender e os professores desempenhar a sua função de forma positiva e segura. 

Uma educação para a paz e a garantia da escola como um lugar seguro assumem importância acrescida em lugares de conflito, e talvez não haja local onde tal seja mais necessário do que na Palestina. Numa visita no início deste ano à Palestina, o Secretário Geral da IE reuniu com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), sendo referido como o direito à educação dos Palestinos é constantemente ameaçado pelas autoridades Israelitas que instituem segregação e controlam o currículo para os Palestinos em Israel e nos territórios ocupados, removendo a aprendizagem da identidade Palestina dos livros de texto. As escolas (à semelhança dos hospitais) são também alvos militares privilegiados. Segundo a portal Trace, em 2020-2021, decorreram 420 ataques a escolas, de creches a universidades. Qualquer programa de educação para a paz enfrenta tremendos obstáculos quando a realidade diária é de violência e discriminação.

Obviamente, a situação em Gaza piorou após 7 de Outubro, com um impacto particular sobre as crianças, que constituem quase metade da sua população. As escolas fecharam, negando educação a mais de 625 mil alunos, e tornaram-se locais de refúgio para quase um milhão de pessoas deslocadas na Faixa de Gaza, espaços necessariamente superlotados (algumas escolas com 12 vezes mais que a capacidade) e com falta de condições sanitárias, agravadas pelo bloqueio Israelita ao abastecimento de energia, alimento e água potável. Procuradas como santuários, as escolas têm sido alvo de ataques dirigidos. Só na primeira semana, 18 escolas da UNRWA foram destruídas. Em 18 de novembro, um segundo ataque aéreo sobre a escola de Al-Fakhorra causou 50 mortes. Até meados de novembro, aviões Israelitas já haviam alvejado mais de 250 escolas na Faixa de Gaza, incluindo mais de 50 escolas geridas pela UNRWA. Esta agência já perdeu mais de 100 dos seus efetivos, a maior perda de forças humanitárias na história das Nações Unidas. Edifícios em 19 universidades em Gaza foram destruídos por ataques Israelitas. Mas os ataques não se têm limitado a Gaza. Na Cisjordânia, as forças de defesa de Israel (IDF) invadiram e vandalizaram a Universidade Birzeit e suas residências estudantis.

O fim do conflito e caminho para a paz exige um cessar-fogo imediato e definitivo e o restabelecimento de linhas de diálogo criando condições para a efetiva implementação das resoluções das Nações Unidas. Os construtores do futuro serão as dezenas de milhares de crianças traumatizadas pelos acontecimentos destas semanas, que perderam as suas casas e as suas famílias. Os professores terão um papel crítico em determinar como irão recuperar e reagir ao trauma e ao medo, se irão responder com violência ou travar o difícil percurso da paz.

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 306 | nov./dez. 2023