E onde ficam os direitos das crianças?
Quando ontem à noite ouvi no telejornal a decisão do MP de Famalicão sobre o caso das crianças cujos pais as proibiram de frequentar as aulas de Cidadania e Desenvolvimento, não consegui deixar de ficar perplexa. À semelhança do desconcerto que resulta do fundamentalismo de uns pais que alegam objecção de consciência, pondo em risco a passagem de ano dos dois filhos, por causa de uma disciplina obrigatória que abarca direitos humanos, desenvolvimento sustentável, educação, ambiente, saúde, interculturalidade, media, igualdade de género e sexualidade, com um peso horário tão diminuto e que, por via disso, acaba por ser muito pouco relevante; também a decisão do Ministério Público me parece totalmente descabida: ser a escola – o director e a psicóloga da escola – a tomar as decisões sobre a educação dos jovens durante o horário escolar. Mais uma vez, a Escola a quem são atribuídas todas as tarefas e responsabilidades… mas que é tão pouco respeitada!
Esta situação dos dois alunos da escola de Vila Nova de Famalicão arrasta-se desde Outubro de 2018. Os dois jovens têm hoje 14 e 16 anos. O que acharão estes dois rapazes de tudo isto? Numa fase das suas vidas em que tudo está em aberto, em que o convívio e a interacção com os seus pares é determinante para o seu crescimento e desenvolvimento saudável, imagino o caos que não será este ping pong que têm sido as suas vidas com uns pais que não lhes permitem frequentar determinadas aulas e actividades porque as consideram contaminadas pela “ideologia de género” e as conversas que terão nos intervalos com os colegas sobre todos os temas da vida que os afligem, sem o “filtro” dos pais. Será que aquelas crianças vivem numa redoma? Não vêem televisão? Não têm telemóvel? Não conversam com ninguém fora do círculo restrito imposto pelos pais?
A minha última participação quinzenal neste ano lectivo na “Notícia do Dia” do SPGL baseia-se na notícia do jornal “Público” de 5 de Julho na secção Sociedade – Tribunal de Família de Menores analisa o caso hoje. Não tenho solução para um caso que, de tão absurdo, dificilmente poderá ter uma saída feliz ou minimamente razoável. Leio a Convenção sobre os Direitos das Crianças adoptada pela ONU em 1989 e pergunto onde está a autonomia destas crianças, onde está o respeito pelas suas dúvidas, pelos seus interesses, pelas suas escolhas? Quando as crianças deixarem de ser joguetes nas mãos dos adultos que as consideram sua propriedade; quando as crianças deixarem de ser aqueles seres que os pais acham que educar passa por palmadas, tabefes e pancada; quando as crianças deixarem de ser usadas como mão-de-obra; quando as crianças deixarem de receber armas como prenda de aniversário…, quando as crianças deixarem de ser consideradas menores e portanto sem direitos, quando isso acontecer, todos seremos mais felizes.
Bom descanso e boas férias.
Almerinda Bento