Artigo:Dia 113: os pais são mais jardineiros ou carpinteiros

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Dia 113: os pais são mais jardineiros ou carpinteiros

Na revista ímpar do Público de 27/10/2020, na crónica intitulada Dia 113: os pais são mais jardineiros ou carpinteiros, Isabel Stilwell e Ana Stilwell, mãe e filha, elaboram acerca do ideal meio termo entre permissão e intransigência na educação a dar aos filhos:

— “um casal que considera fundamental que o filho de 3 anos fique sentado à mesa até ao final da refeição, sente-se desesperado com o facto de os avós permitirem que, em casa deles, o neto se levante antes da restante família ter terminado. Acreditam que os avós estão a minar a educação que querem dar à criança.

Os pobres pais, e juro que não o digo com um pingo de ironia, estão atormentados com a ideia de que se não torcerem o menino de pequenino, daqui a 30 anos quando estiver sentado num almoço de negócios vai abandonar a mesa, deixando o chefe a falar sozinho, chefe que, obviamente, o despedirá no mesmo momento. Daí até “acabar debaixo da ponte”, como tu costumas dizer, será um passo. O pior é que, desta vez, são os avós o obstáculo a este caminho civilizacional que assenta na convicção de que foi a falta de regras e disciplinas que povoou o mundo de energúmenos. Avós que com a sua bondade e palermice, tidos aliás como sinónimos, vão estragar o plano.

(…) Durante séculos acreditou-se que as crianças eram como um bloco de madeira que para se transformar em alguma coisa bonita ou útil, precisava de ser esculpido. O que desejavam da obra final variava, mas todos comungavam da ideia de que caso os pais não “limassem as arestas”, os filhos não passariam de toscos pedaços de madeira. Simplesmente, o que a investigação na área da neurociência tem revelado é que nada disto é verdade (…) não é uma questão de modas, é uma questão de estarmos na posse de mais informação científica que nos permite compreender que a infância tem características próprias, que existe um processo de desenvolvimento que é independente dos pais (…), regra geral são os pais mais jardineiros e menos carpinteiros, os que adubam e cuidam mas deixam crescer sem demasiadas intromissões, aqueles que acabam por ter filhos mais equilibrados. Com uma vantagem enorme: gozaram bastante mais o facto de serem pais.

O mais cómico é que (…) muitas das características que os pais abominam nos filhos pequenos e que passam horas e horas a “contrariar” são, depois e no contexto certo, endeusadas como os seus pontos mais fortes. O menino teimoso passou a ser persistente. O que estava sempre do contra, é agora assertivo, e por aí adiante. É claro que os pais carpinteiros gabam-se dos “resultados” como se fossem fruto do seu trabalho árduo e empenhado mas, sinceramente e sem querer desiludir ninguém, suspeito que (dentro da razoabilidade) se tivessem deixado passar uns gritos, umas saídas da mesa antes de tempo, as vezes em que não cumprimentaram os tios, e mesmo algumas respostas mais tortas, provavelmente os filhos teriam crescido e amadurecido igualmente bem, com a vantagem de terem gozado e preservado uma melhor relação entre todos. Podiam ter-se divertido mais, além de terem tido a oportunidade de acabar de ler o jornal acabado de comprar... Ou comido o almoço, sem indigestões. Mas, como a mãe diz, para muitos pais cada um desses episódios é encarado com uma derradeira oportunidade, e isso, além de ser mentira, estraga tudo...

O que me parece importante é que os pais entendam que isto não é a mesma coisa do que ser permissivo, negligente ou um “tudo é indiferente”, mas apenas compreender que a maior parte dos comportamentos são adequados à idade e que dando o exemplo e impondo os limites que são mesmo essenciais, não estamos a pôr em risco o futuro da humanidade. (…) as crianças, se tiverem a maturidade para o conseguir, vão sempre escolher o caminho “melhor” porque, ao contrário do que muitas pessoas pensam, é-lhes muito mais fácil e vantajoso cooperar, fazer parte, estar integrado, agradar aos pais e aos amigos, do que o oposto. Como também acredito que as coisas importantes, as que têm uma razão lógica, são compreendidas e assimiladas, independentemente de castigos ou prémios, e que por isso, mais cedo ou mais tarde, serão adoptadas por eles como uma coisa que lhes é útil e lhes facilita a vida.”

Francisco Martins da Silva