Artigo:Decreto-Lei n.º54/2018: uma reflexão

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Decreto-Lei n.º54/2018: uma reflexão

Ana Cristina Gouveia
I
Coordenadora E. Especial I 

Jorge Humberto Nogueira
I
Dirigente sindical I


O DL 54/2018, de 6 de julho, alterado pela Lei 116/2019, de 13 de setembro, foi publicado com a pretensão de que a educação seja um direito efetivo de todos, onde todos os alunos adquiram oportunidades de aprendizagem significativas, onde todos sejam respeitados e valorizados, uma verdadeira escola inclusiva. Estando todo o documento delineado para a defesa da inclusão, pena é que seja apenas no papel e não permita a sua eficaz operacionalização nas escolas.

É de ressalvar que esta proposta legislativa não partiu da necessidade das escolas, nem foi consequência de uma avaliação efetuada à legislação anterior. Daqui resultou uma aplicação artificial, imposta de cima para baixo, que leva a enormes discrepâncias na interpretação e na sua aplicação pelo país.

Face ao exposto é pertinente:

a) Realizar uma avaliação independente da aplicação da lei, apurando o que não resultou, o que está a mais e o que mudou em termos de inclusão dos alunos, de diferenciação do ensino e do desenvolvimento de respostas para a diversidade e sucesso;

b) Tornar a legislação coerente e articulada, generalizando os princípios da inclusão a todo o sistema, fazendo com que esta não seja apenas a uma lei setorial denominada de regime de educação inclusiva, que se confunde com um conjunto de medidas exclusivas para determinados alunos;

c) Não perder de vista a necessidade de intervenção em fatores que são causas de exclusão, nomeadamente a pobreza, a imigração, a diversidade étnica e cultural, entre outros fatores sociofamiliares, que contribuem para o risco de exclusão;

d) Dar autonomia às escolas e seus professores para serem eficazes e definirem os seus próprios projetos de inclusão, dotando-as de mecanismos de regulação e dos meios necessários para tal, contrariando uma normalização centralizadora, que resulta da eterna desconfiança da tutela;

e) Estruturar estes princípios com as respostas pós escolaridade obrigatória, para que a vida de muitos jovens não acabe por ser ficar em casa ou na lista de espera de um CAO.

Para além dos problemas e assimetrias, desarticulação e falta de coerência, que a legislação criou, ficou também patente que as escolas não foram dotadas dos recursos necessários para desenvolver políticas e práticas de equidade e inclusão. Nem de recursos humanos para parcerias, apoio educativo, apoio aos alunos de LPNM, ou tutorias; nem de recursos especializados, como os professores de educação especial (em número adequado), terapeutas e técnicos especializados, ou ainda de assistentes operacionais especializadas para acompanhamento dos casos que necessitam de acompanhamento específico, nomeadamente alunos com deficiência ou perturbações graves, a necessitar de apoios diretos no âmbito da escola e da sua permanência em atividades da escola e da turma.

A ausência de equipas multidisciplinares, com técnicos e terapeutas no âmbito do sistema educativo, dificulta a criação de uma resposta consistente e eficaz no ensino público, que possa ser sentida como uma alternativa à institucionalização e leva muitas famílias a contratualizar particularmente esses apoios, criando desigualdades sociais. O próprio Ministério da Educação externaliza a contratação desses técnicos, em vez de criar respostas integradas dentro da dinâmica do sistema público.

Substituir uma lei que estabelecia um regime de Educação Especial, por outra que decreta um regime Inclusivo, sem cuidar das funções e das necessidades de quem precisa, faz com que não se estejam a acautelar as necessidades concretas e realistas de uma população determinada, mas sim a torná-la invisível.

Seria uma grande desilusão constatarmos que, afinal, um suposto Regime Inclusivo, resulta na prática como uma forma de poupar despesa na educação, diminuir recursos e retroceder na oferta pública inclusiva para todos, sem exceção, criando o serviço mínimo que exclui.

É importante:

a) Definir o estatuto e o propósito da Educação Especial nas suas vertentes de apoio à inclusão dos alunos com Necessidades Específicas; bem como de apoio direto e acompanhamento dos que necessitam de Educação Especial;

b) Dotar as escolas de recursos humanos, de acordo com as necessidades de cada uma e dos respetivos projetos de inclusão;

c) Contratar equipas multidisciplinares de técnicos e terapeutas em número adequado, no âmbito dos AE, permitindo a sua inserção nos objetivos e dinâmica de cada AE.

Estes são alguns dos principais constrangimentos, ainda que as dificuldades possam variar de acordo com a realidade de cada unidade de ensino e contexto específico. 

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 305 | Setembro 2023