Artigo:Danos Colaterais - Guerra e Democracia

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Danos Colaterais - Guerra e Democracia

Uma das questões básicas que se coloca relativamente ao impacto da guerra é o seu efeito de desgaste sobre as democracias, à medida que as consequências no plano económico, por via do aumento do custo de vida e da escassez de matérias-primas, prometem facilitar o caminho das forças da extrema-direita e da direita radical nas eleições, que não deixarão de apresentar propostas miraculosas, como privatizações e descidas de impostos.
Muito antes da guerra na Ucrânia, assistimos a um crescimento constante destas forças ao longo das últimas décadas, um pouco por todo o mundo, com um pico inesquecível aquando da eleição de um populista, que muitos consideravam impossível: Trump.
Rapidamente se verificou que Trump não era apenas uma anedota, mas uma parte importante duma urdidura internacional em franco crescimento e aperfeiçoamento, empurrada pelas artes informáticas dos russos e  mimetizada por congéneres do gabarito de Bolsonaro ou no caso nacional, de Ventura,  que aparenta conseguir sobreviver ao pós-invasão do Capitólio e avançar para as próximas eleições americanas.
Vimos ainda, com alguma perplexidade e surpresa, que as trevas que geraram o fascismo e o nazismo no início do século XX,  permanecem ainda no fundo das sociedades ditas civilizadas, à espera das circunstâncias certas para virem ao de cima, que se têm vindo a cristalizar paulatinamente, pela incapacidade das democracias liberais lidarem com os desafios colocados em múltiplas frentes, ao nível da corrupção, da desigualdade na distribuição de riqueza, no abaixamento inexorável dos rendimentos da "classe média", muito por fruto das consequências de uma globalização feita à medida de um certo capitalismo.
A firme oposição demonstrada até agora pelo "Ocidente" em relação à Rússia ocorre ainda num tempo em que os impactos desta guerra se encontram apenas no início, com pouco tempo ainda de degradação das reservas que cada cidadão e família possuem para fazer face às crescentes dificuldades económicas do quotidiano, os quais terão cada vez mais tendência a reduzir o consumo de coisas "supérfluas" para fazer face às despesas com bens essenciais, cada vez mais caras, o que não deixará, por sua vez, de ter consequências sobre o fecho de empresas e aumento do desemprego.
Assim, caso a guerra e as suas consequências se estendam no tempo, outra coisa não será de esperar que não a implementação de medidas urgentes, de reformas, como, por exemplo, da saúde, da educação, etc., que, segundo os opinion makers de serviço, não poderão ser feitas pelos tradicionais partidos, mas sim por aqueles empoleirados na crista do tempo, corajosamente, de mãos dadas com "os empreendedores" e os oráculos infalíveis do mercado (CHEGA e IL, no caso português).
Deste lado, do eleitorado, uma mole crescente de gente cada vez mais suscetível ao soundbyte, à sucessão de frases feitas e manhosas travestidas de pensamento e de brilhantismo, rendidos ao facilitismo de neo-sebastianismos simplórios que catapultam vendedores de banha de cobra ao estatuto de salvadores da pátria, que, por suas vez, não hesitarão em fazer a alquimia habitual, de converter a vida, o tempo, o sangue dos trabalhadores no tal ouro que tudo resolve, devidamente acondicionado nos offshores e noutros locais geradores de riqueza, como os vãos de escadas de um tal Calvete. 

 

João Correia