Artigo:Cultura /Culturas: diálogo e confronto

Pastas / SPGL / Dep. Aposentados / Ação Sociocultural

Celebra-se a 21 de maio oDia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento”.

Cultura /Culturas: diálogo e confronto

O título do comemorativo é longo, mas inequivocamente rico. Começa por sustentar que há uma Diversidade Cultural, consideração inatacável, mas que levanta uma complicada questão: serão as diversas Culturas iguais em valor (e em valores) ou há uma(s)mais avançada(s) que outra(s)? Recordemos que a retórica panegírica das “Descobertas” e do colonialismo europeu afirmava ter como intenção “a missão civilizadora” em nome da qual se destruíram culturas (os maias, os aztecas…) que hoje os historiadores consideram que, no seu tempo, não ficavam nada a dever à cultura europeia. Recordemos o modo indigno como os portugueses ridicularizaram um respeitado régulo moçambicano de Gaza – a quem chamamos Gungunhana, mas cujo verdadeiro nome era Ngungunhane -, ou como celebramos acriticamente a “destruição” dos índios na América. Ou como entendemos que a nossa forma de governo (a nossa” democracia”) deve ser imposta a outros povos (outras culturas) porque a “nossa cultura política” é melhor que qualquer outra.

Todas as culturas têm suporte em narrativas da História. Falamos de uma Cultura europeia, postulando alguma continuidade ao longo da História analisada com olhos europeus, embora nessa mesma Europa se tenham desenvolvido culturas de povos diferenciadas entre si. Falar de uma “Cultura portuguesa” é postular que há nela algo específico que permite distingui-la na Cultura europeia. Ou seja: postulamos que há uma Cultura portuguesa que se integra numa Cultura europeia, mas não se dissolve nela. Mas ao falarmos de uma “Cultura portuguesa”, a que cultura nos referimos? Ao sectarismo religioso (com evidentes razões políticas e económicas) que expulsou os judeus do seu território ou à aceitação, regulamentada, de diferentes religiões? Continuamos a ouvir falar de “portugalidade” e do “modo de ser português”, referências aliás muito citadas e hipervalorizadas pelo “Estado Novo” e que fariam de Portugal um colonizador diferente dos outros- o “lusotropicalismo”. Mas questionamos cada vez mais os discursos que tendem a negar práticas brutais da nossa colonização em África.

Um exercício interessante (mas nada fácil) seria tentar encontrar o que torna a Cultura portuguesa específica dentro do que chamamos “Cultura europeia” e o que distingue, essencialmente, a Cultura europeia, das Culturas africana, asiática, americana…

É correto sublinhar que obrigatoriamente olhamos para as outras culturas “a partir” da nossa própria Cultura, mesmo que honestamente tentemos evitar as armadilhas do eurocentrismo. E se essa preocupação pode significar uma “cedência” ao relativismo cultural (todas as culturas seriam equivalentes) parece inútil negar que o processo de “globalização” nos séculos XX-XXI, associado à rapidez e extensão proporcionadas pelas novas tecnologias, tende a tornar as Culturas mais idênticas, o que pode “ler-se” quer como um prejuízo quer como um avanço. Por exemplo, e falando do nosso país, a celebração do “Halloween”, importado dos EUA (que a terá importado da Irlanda) enriquece a cultura portuguesa ou distorce-a? (Há quem sustente, a este propósito, que a reação da cultura portuguesa a esta “invasão” ajudou a revitalizar a tradição, quase perdida, do “pão por Deus”).

E uma campanha política “à americana” beneficia ou prejudica a intencionalidade política?

Mas há uma dimensão em que, creio eu, todos estaremos de acordo: a “afirmação” de direitos humanos universais, idealmente assumidos por todas as culturas, é uma conquista histórica a defender e consolidar.

Podemos então falar de um “Diálogo” entre Culturas? Parece que sim. Mas sem esquecermos que nem todas têm as mesmas armas. A “força” de uma Cultura, que mesmo respeitando as outras acaba por submetê-las, é inseparável do poder económico e do imperialismo linguístico, mas também do “caldo histórico” de que emerge. Vemos muito mais filmes americanos que africanos, ignoramos a filmografia chinesa (exceto quando ela comunga da crítica ocidental à China), somos dominados pela música americana ou cantada em inglês, etc…

Com isto, não pretendo escamotear a miscigenação cultural, isto é, a integração de elementos numa cultura de elementos de outras: há na música portuguesa elementos e ritmos da música africana (afinal colonizamos povos africanos durante 400 anos…), mas também do jazz e dos blues e do rock americanos, durante muitos anos fomos tributários da música francesa. Introduzimos na alimentação o sushi, comemos anonas e abacates e rendemo-nos aos “mac’s” (mesmo quando dizemos que é comida de plástico).

Concluamos então a análise do longo título do que hoje, 21 de maio, comemoramos: Em que condições o Diálogo entre Culturas é um fator de Desenvolvimento? Só o será se não assentar na menorização e consequente eliminação de Culturas mais fragilizadas por barreiras económicas, políticas ou linguísticas. Mas ter bem presente este perigo é um modo de contra ele nos prevenirmos e de criar condições para a coexistência e interpenetração de Culturas sem que a relação hegemonia/submissão seja determinante.

Sublinhe-se que o “culto” de uma cultura nacional ou de um povo é muitas vezes um fator determinante de resistência política. Não é por acaso que os bascos e os catalães insistem em usar nas suas regiões as suas línguas e considerá-las “língua oficial”, tal como não é por acaso que o atual governo da Turquia quer eliminar a língua curda entre os curdos. Casos em que as culturas não dialogam, antes se combatem.

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Não foi por acaso que ao longo do texto evitei a referência ao racismo e à xenofobia. São práticas indefensáveis com que muitos sublinham a pretensa inferioridade da cultura e da “pessoa” dos outros, prática doentia de quem considera necessário defender a pureza da sua cultura de maléficas influências do exterior. Não cabe na dimensão deste texto, mas sugiro que se reveja a esta luz muita da propagando do “Estado Novo”: a defesa do isolamento do país, o culto do Portugal rural como a mais pura forma de ser português - lembram-se da Aldeia mais portuguesa de Portugal?

O 25 de Abril de 1974 pôs termo a essa defesa bafienta de uma “portugalidade” que seria tanto mais rica e “pura” quanto mais ignorasse outras culturas (ou as submetesse, como nas colónias). A integração na União Europeia mudou substancialmente esta visão. Viajamos por muitas outras culturas, o Erasmus põe parte significativa da nossa juventude em contacto direto com outras juventudes. Enriquecemo-nos culturalmente? Penso que sim. Tornamo-nos “cosmopolitas”. Mas continua a fazer sentido falar de uma Cultura portuguesa numa Europa cada vez mais uniformizada?

António Avelãs

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CAMPANHA DE SENSIBILIZAÇÃO PELA DIVERSIDADE CULTURAL:

«WE ARE DIVERSITY»

https://youtu.be/zFYndbxQLcA