Artigo:Crise energética e transição ecológica

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Crise energética e transição ecológica

Os recentes aumentos dos preços da gasolina (+ 2 cêntimos por litro a que se juntam os 31 cêntimos desde o final do ano passado) e do gasóleo (36 cêntimos relativamente ao ano transato) não são, ao que tudo indica, um fenómeno conjuntural, mas provavelmente o ponto de partida de uma crise energética que tem origem no aumento do preço dos combustíveis fósseis. Trata-se de um fenómeno global que reflete a contradição entre a chamada ‘nova economia digital’ que é uma das principais defensoras das tecnologias ‘verdes’, utilizadoras de energias renováveis, e, por outro lado, o facto de que grande parte da economia existente continuar a funcionar segundo os parâmetros da velha. Assim, se é verdade que a Europa constitui a região do globo que está mais avançada na transição ecológica, pois as fontes renováveis são já responsáveis por 38% da energia produzida e as fósseis apenas por 37%, não é menos verdade que a difusão maciça de carros elétricos não está ainda na ordem do dia e, tendo em conta a oposição feroz dos partidários das energias fósseis e o atraso das novas infraestruturas que substituirão no futuro as bombas de gasolina ou competirão com elas pelo predomínio, exigirá um processo político longo e atribulado. Além disso, um dos principais agentes poluidores a nível global, o transporte aéreo, torna a transição ecológica para as energias renováveis ainda mais problemática.

No atual contexto de crise energética confrontam-se dois tipos de fundamentalistas: alguns ambientalistas que defendem sem reservas que o aumento cada vez maior dos preços da energia fóssil é a única forma de acabar com o emprego do carvão e de reduzir a dependência do petróleo e do metano e os apologistas das energias fósseis que invocam a ausência de alternativas viáveis a curto e médio prazo para justificarem o adiamento sine die da transição ecológica. A contradição entre o aumento dos preços das energias fósseis e a precariedade destas alternativas torna-se cada vez mais explosiva, pois fecunda e alimenta o mercado especulativo das autorizações para poluir, que, por sua vez, contribui para aumentar ainda mais o preço dos combustíveis. Esta contradição é particularmente gritante no maior centro da transição ecológica, a União Europeia (UE), em consequência de a Comissão Europeia ter estabelecido como objetivo reduzir em 55% a utilização de combustíveis fósseis até 2030. Não está em causa a justeza desta decisão, mas a possibilidade da sua concretização, tendo em conta ainda que o aumento dos preços do gás natural começou a tornar mais caro o processo de conversão das centrais elétricas do carvão para o gás natural, uma política que a UE tem seguido, ao mesmo tempo que o preço daquela fonte de energia fóssil disparava. A Alemanha, um dos países mais avançados na transição ecológica, é bem o exemplo e paradigma desta situação paradoxal: aumentou a utilização do gás natural como fonte de energia do setor secundário porque não tem possibilidade de utilizar apenas energias renováveis para satisfazer as suas necessidades, não podendo ainda dispensar a utilização do carvão, embora esta fonte de energia seja cada vez mais residual. Outra consequência é o aumento da inflação que nos EUA, país em que a despesa pública aumentou mais do que na Europa, já atingiu 5,4%, o que leva alguns a admitir a possibilidade de reprodução de um cenário de estagflção à imagem da década de 70 do século passado, tanto mais que o diferencial entre as taxas de inflação do período da pandemia e do período pós-pandemia é positivo, enquanto o da taxa de crescimento do PIB é negativo no mesmo.

Na UE, com taxas de crescimento consideravelmente mais baixas do que as norte-americanas, tal possibilidade poder-se-á revelar letal, pois dará força aos fundamentalistas do monetarismo que pressionam o Banco Central Europeu a elevar as taxas de juro de referência e a abandonar a política de compra de títulos dos Estados mais endividados, o que terá consequências catastróficas em países, como Portugal, com uma elevada dívida pública e uma ainda maior dívida externa. Por isso, aos que pensam que uma economia rentista e parasitária como a portuguesa, alimentada pelo turismo de massa e por um processo maciço de desindustrialização e cujo crescimento não compensará nem de perto nem de longe a queda abrupta do PIB nos anos da pandemia, tem folga orçamental suficiente para sustentar um aumento considerável da despesa pública, assenta como uma luva a máxima do célebre líder político da Democracia Cristã Italiana, Giulio Andreotti (1919-2013): “Il potere logora chi non c’è l’ha” (“o poder desgasta quem não o tem”). O problema é que a intransigência destas personagens não se revelará, como é usual, como farsa, mas como tragédia.

Joaquim Jorge Veiguinha