Artigo:Cópia certificada

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Cópia certificada

Um livro com o título “Esqueça o original e arranje uma boa cópia” ofenderia certas sensibilidades artísticas. A culpa não seria inteiramente do autor. Hoje em dia, as editoras insistem em títulos controversos. A intenção seria mostrar que a cópia tem valor intrínseco, pois conduz-nos ao original.

A questão do conceito de originalidade esteve sempre presente na História. Consta que Lorenzo de Medici instou Michelangelo a esculpir a estátua do Cupido all’antica, para que pudesse vendê-la por mais. Sempre houve a questão da originalidade, de falso ou genuíno, e suscitou em todas as épocas reflexão semelhante.

A palavra “original” tem conotações positivas. Autêntico, fiável, duradouro, possuidor de valor intrínseco. Até a etimologia da palavra é interessante. Vem do latim oriri, que significa ascender ou nascer. Faça-se um paralelo entre a reprodução na arte e a reprodução entre os seres humanos. Afinal, pode-se dizer que somos meras réplicas de ADN dos nossos antepassados.

Examinar trabalhos originais não é mais que questionar as origens, as fundações da nossa civilização. Os Humanistas da Renascença investigaram as raízes da cultura ocidental, encorajando maior compreensão da herança cultural. Este fascínio pela origem da nossa cultura está ligado à definição fundamental de originalidade. E com a originalidade vem a exigência de autenticidade e confirmação cultural.

Porém, alguém que goste de bijutaria considerará que uma boa cópia é melhor que o original, e que as jóias falsas são melhores por serem mais práticas que as verdadeiras. Um crítico de arte dirá que tal (falta de) gosto é de alguém simples. Mas a pessoa do gosto “simples” poderá  argumentar que se há quem arranje maneira de se sentir feliz e apreciar a vida, devemos felicitar e não julgar.

No Museu da Academia Etrusca, em Cortona (província de Arezzo, Itália), está o famoso quadro intitulado Musa Polimnia, pintura a encáustica da musa grega da poesia sagrada, dos hinos e da dança. Chamam-lhe “Cópia original”. Esta espécie de “Gioconda da Toscânia”, foi atribuída à arte romana. Só já no século XX se descobriu que é obra de um talentoso falsário napolitano do século XVIII. Mas o museu decidiu conservar este extraordinário retrato como um original, por ser tão belo como o original. O original encontra-se em Herculaneum, perto de Nápoles. Os habitantes de Cortona afirmam adorar este quadro, sabendo que é uma cópia. Para eles não faz diferença que o original esteja em Herculaneum. O original é apenas uma reprodução da beleza da rapariga retratada. Ela é que foi o original. Tal como a Mona Lisa é uma reprodução da Gioconda. Mesmo aquele sorriso… é original ou foi Leonardo da Vinci que lhe pediu que sorrisse assim?

E este texto, foi lido até aqui como sendo original? Pois trata-se apenas de um aproveitamento de parte dos diálogos do filme Cópia Certificada, do realizador iraniano Abbas Kirostami, com Juliette Binoche (ah, insuperável original…) e William Shimell (deste, haverá cópias melhores, certamente).

Francisco Martins da Silva