Artigo:Condições de trabalho e carreira no Ensino Artístico Especializado

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Condições de trabalho e carreira no Ensino Artístico Especializado

Neste momento, em muitas escolas de Ensino Artístico Especializado, os professores que trabalham em estabelecimentos  privados,  com  protocolos  do Ministério de Educação, foram confrontados com a disposição, em CCT, de um horário até às 29h, configurando, assim, um aumento brutal de tempos letivos. Esta situação altamente penalizadora, como referi no 14º Congresso, não teve em consideração as condições destes professores que ficaram prejudicados, não só em relação aos seus pares (professores que trabalham em colégios privados), como também em relação aos colegas do EAE que trabalham em Conservatórios públicos.

Sublinhe-se ainda que, ao horário letivo regular, acrescem ainda as imensas horas extra, disponibilizadas por estes professores no sentido de obterem um aperfeiçoamento artístico elevado nas suas classes.

Tal  facto  prende-se com a especificidade dos alunos que frequentam estas escolas de música privadas, dedicadas a alunos que não são, à partida, vocacionados para um ensino especializado (e também por isso não conseguem entrar nos Conservatórios estatais), frequentando, na sua generalidade, uma escola de ensino académico, em regime articulado. No entanto, são direcionados para um trabalho de repertório musical  idêntico  aos  dos Conservatórios  públicos,   sendo  que  muitos destes  alunos conseguem  finalizar o seu percurso musical nestas escolas e serem admitidos no ensino superior, a par dos alunos dos Conservatórios e escolas profissionais.

Por outro lado, os alunos que não pretendem seguir os seus estudos musicais a nível superior, ficam com ferramentas musicais que lhes permitem, não só nutrir o gosto pela música, como criar um espaço de satisfação e crescimento pessoal.

Ora, estes processos de aprendizagem só são possíveis devido à extrema dedicação em esforço e tempo, denotando um verdadeiro espírito de missão, da parte dos professores destas escolas.

Numa resenha esquemática, a organização dos cursos especializados de música divide-se entre turmas e aulas individuais de instrumento. Os professores das classes dadas em grupo (como Formação musical, iniciação musical, coros, ensembles, consortes, orquestras, análise e técnica do som, composição, história da música e oferta complementar) adequam o seu programa, fazem pesquisas para relacionar o que ensinam com interesses das suas classes. Muitas vezes organizam idas a teatros ou concertos para complemento da matéria que estão a lecionar.

Em relação aos professores de instrumento, cada classe comporta entre 22 a 30 alunos. Se, aparentemente, o número de alunos é reduzido, importa realçar que o trabalho individual é um trabalho psicológica e pedagogicamente exigente. De facto, cada aluno representa um programa diferente e único a ser escolhido e trabalhado. Por outro lado, a interação entre professor e aluno assume dimensões pedagógicas que vão da metodologia específica, organização pessoal do tempo (cada vez mais as crianças têm pouco tempo disponível e têm dificuldade em se organizar para estudar o seu instrumento), estudo acompanhado e de uma disponibilidade afetiva que tem de estar sempre presente.

Cada aula, de 45m, tem uma componente técnica (os exercícios ou estudos) e uma componente artística (as peças do repertório). O professor tem de estudar os vários repertórios para ter presente as dificuldades e como as resolver, de modo a sempre que possível, simplificar as partes complicadas e arranjar soluções viáveis especificamente para cada aluno. Ainda, se o aluno toca um instrumento melódico (tal como flauta, violino, oboé ou outros), é necessário realizar ensaios com o pianista acompanhador.

Refira-se ainda que, para além das aulas regulares, há uma panóplia de apresentações públicas como audições na escola de EAE e em espaços exteriores (recitais em auditórios conceituados), sempre acompanhados pelos seus professores, muitas vezes fora do seu horário de trabalho com ensaios ao fim-de-semana.

A especificidade do EAE, evidencia que o horário lectivo dos professores deste setor comporta um empenho, esforço e tempo que vai muito para além das 22h consagradas no anterior CCT. De facto, já com o anterior horário lectivo era exigida aos professores das escolas privadas de música uma disponibilidade de tempo superior, de forma a assegurar um nível de ensino artístico que pusesse em pé de igualdade os alunos de sistemas diferentes – dos Conservatórios públicos e das escolas privadas. Temo que, ao se permitir o aumento da carga horária lectiva, seja todo este edifício de dedicação, exigência e qualidade posto em causa, caminhando-se não só para a degradação das condições de trabalho e de vida dos seus profissionais, como para o afundamento progressivo da qualidade do sistema do ensino vocacional da música.