Concentração de notas de 19 e 20 valores leva Inspeção-Geral da Educação às escolas: há 2 públicas e 38 privadas a levantar dúvidas
No Expresso de 28 de fevereiro, surge com a assinatura de Isabel Leiria, a notícia ”Concentração de notas de 19 e 20 valores leva Inspeção-geral da Educação às escolas: há 2 públicas e 38 privadas a levantar dúvidas”. A sua pertinência e a atualidade do seu conteúdo constituíram a razão da minha escolha para notícia do dia. Como aí se afirma: “A ação decorre de uma análise efetuada pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) às classificações atribuídas aos alunos em quatro anos letivos consecutivos (de 2018 a 2021) e que encontrou uma concentração de notas máximas invulgar em algumas escolas e disciplinas.”
Segundo a jornalista e em declarações ao Expresso: “o diretor-geral dos serviços de Estatística da Educação, Nuno Rodrigues, explica que o objetivo da análise agora concluída é o de “apontar pistas para que a tutela e os serviços com responsabilidade nesta matéria, como a IGEC e o IAVE [instituto responsável pelos exames) possam decidir em conformidade” face a alguns padrões de distribuição de notas e desvios encontrados. “Não significa que uma escola com uma grande concentração de notas elevadas esteja a fazer algo de errado. A ideia é verificar se está ou não”.
Nesta análise, agora coligida na forma de relatório, a DGEEC concluiu que em 38 escolas privadas, 30% ou mais dos seus alunos obtiveram 19 ou 20 valores a pelo menos uma disciplina e em dois anos letivos do período estudado. Entre 2018 e 2021 a maioria delas (25 em 38) repetiu este padrão.
Na análise realizada os autores definiram esta fasquia dos 30% ou mais de estudantes com classificações máximas como um valor que deve dar um ‘sinal de alerta’. E o mesmo foi feito para as escolas públicas. Só que neste caso, num universo de 475 analisadas, só se encontraram duas com uma concentração invulgar de notas máximas. O relatório não identifica as escolas.
Significa que no privado haverá uma maior tendência para ‘inflacionar’ notas?
Os dados por si só não permitem tirar essa conclusão, até porque a população escolar que frequenta o ensino privado (pago) é muito menos heterogénea que a do estatal, onde não é possível realizar a seleção de alunos.
Uma das formas de verificar se há ou não inflação de notas tem sido a de comparar as classificações dadas pelos professores dentro de cada escola com as médias nos exames à mesma disciplina. Se as primeiras forem significativamente superiores às segundas, isso pode significar uma ‘benevolência’ excessiva dos docentes dessa escola.
Por outras palavras, havendo o referencial das médias dos exames nacionais, os professores tenderão a dar notas mais próximas dessas classificações, sob pena de causar muita estranheza uma escola que obtenha uma média de 10 num exame de Matemática, mas que depois apresente a nível interno uma média de 18.
Quando não existem exames, este controlo passa então por verificar a distribuição das notas entre estabelecimentos de ensino e se existem concentrações aberrantes de classificações muito elevadas. A análise da DGEEC encontrou “exemplos de escolas e disciplinas que chamam a atenção pelas classificações internas singulares e sistematicamente elevadas ao longo de quatro anos letivos analisados”.
Neste período (2018-2021), houve quatro disciplinas, todas anuais - Aplicações Informáticas B, Física, Geologia e Química –, em que a nota mais frequentemente atribuída foi a de 20 valores. Isto no ensino público.
A mesma contabilidade para os colégios mostra que a classificação máxima foi a que mais se repetiu em 11 disciplinas em cada um destes quatro anos letivos. Em 2020/21, mais de metade (52%) dos alunos do privado teve nota final de 20 valores a Aplicações Informáticas e 51% tiveram-no a Inglês.
Numa altura em que tanto se fala de escola pública, é o momento certo para refletir e opinar.
Ana Cristina Gouveia