Colaboradores à beira de um burnout
O dia do trabalhador não é sobre profissionais de sucesso, é sobre luta coletiva; sobre trabalhadores que se unem e que exigem melhores condições para si e para os restantes.
Ontem foi o dia do trabalhador. Um pouco por todo o mundo celebram-se as conquistas dos trabalhadores, reflete-se sobre o que ainda falta fazer e renovam-se as vontades de continuar a luta.
Em Portugal a data começou a ser comemorada publicamente só após o 25 de Abril, mas já antes trabalhadores e ativistas a assinalavam sob a atenção repressiva da polícia. Quem esteve nas comemorações do 1 de maio de 1974 fala dele com emoção.
Muita coisa tem mudado para os trabalhadores portugueses e a maioria das mudanças tem sido positiva. Devem essas mudanças à sua própria luta e a quem a apoia e incentiva. A importância dos sindicatos e das representações parlamentares de esquerda não deve ser esquecida. Não se trata de reconhecimento e de gratidão. É que são precisos. Os trabalhadores correm riscos se estas estruturas enfraquecerem.
A luta dos trabalhadores não está concluída. Nunca estará. Direitos laborais consolidados são muitas vezes postos em causa; recordar a regressão dos tempos da troika e da governação de Passos Coelho e como algumas dessas alterações ainda se mantêm em vigor. Até 2011 os trabalhadores que fossem despedidos sem justa causa – no âmbito de um procedimento de despedimento coletivo ou de extinção de posto de trabalho – tinham direito a uma compensação equivalente a 30 dias por cada ano de trabalho prestado. Nunca mais lá se voltou. E a troika já saiu há muito tempo.
A palavra “trabalhador” tem um peso que a muitos desagrada. Preferem dizer “colaborador”. Um colaborador é aquele que não está em luta com a sua entidade empregadora e que esquece o mantra do Código de Trabalho e das Convenções Coletivas de Trabalho. Não pretende ser um grão de areia na engrenagem para a qual presta trabalho, digo: colabora.
Um colaborador é eficiente, é disponível e ambicioso. Não está sindicalizado. Gosta de desafios e de surpreender as hierarquias com as suas ideias inovadoras e fora da caixa. Um colaborador é aquele que dá tudo. Concilia a sua vida pessoal com a profissional de forma a não prejudicar a última. Abdica da primeira, se preciso for. É bom de ver que as empresas apreciam colaboradores.
Este fim-de-semana soube das conclusões de um estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, do Instituto de Saúde Ambiental da Universidade de Lisboa e da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. Concluíram que cerca de um quarto dos trabalhadores portugueses apresentava sintomas de burnout. A pandemia não ajudou. Soube também que Portugal, num universo de 24 países analisados pela OCDE, é o terceiro pior no que diz respeito à conciliação entre vida pessoal e vida profissional.
Más notícias.
Estar sempre disponível é muito bom para as empresas mas não tanto para os trabalhadores. Já agora: em Portugal a compensação por tanto esforço é assinalável mas não pela positiva. Na avaliação da OCDE é o quarto país com o salário médio anual mais baixo.
Escravos por conta de outrem, escravos por conta própria, dizia o Luiz Pacheco. Agora talvez se acumulem as duas escravaturas. Somos explorados sobretudo por nós mesmos. O sonho liberal do sucesso, de uma carreira, exige a autoexploração; o esforço mental até ao limite, até arder. Luiz Pacheco não aprovaria. Exaustos ficamos reduzidos a nós mesmos, mas ao mínimo que temos e somos.
Ontem assinalou-se o dia de todos os trabalhadores, mesmo daqueles que não se reveem na luta. Há quem reivindique a semana das 35 horas de trabalho semanais e quem sonhe com a semana dos 4 dias. Ainda bem que estão na estrada, que sobem a Avenida Almirante Reis e que vão para a Alameda. O que eles conseguirem beneficiará todos.
O desejo de sucesso, a ambição de triunfar no mercado de trabalho ou no mercado em geral, não são de demonizar. Faz parte da natureza humana querer vencer e esta sociedade não é meiga para os que não triunfam. Mas essa luta, que é individual e individualista, não dispensa a outra.
O dia do trabalhador não é sobre profissionais de sucesso, é sobre luta coletiva; sobre trabalhadores que se unem e que exigem melhores condições para si e para os restantes. Todos procuram ter uma vida satisfatória. Mas a satisfação é mais difícil de obter em circuito fechado. Sobretudo, alguém deveria avisar estes colaboradores que sozinhos, e por muitos que sejam estão sempre sozinhos, não têm força.
Mas deixem-nos descansar primeiro. Estudos dizem que estão exaustos.
Carmo Afonso