Artigo:ChatGPT: toda a criatividade será castigada

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ChatGPT: toda a criatividade será castigada

O semanário i de 11 de abril de 2023, com o título de Inédito, publicou uma edição inteiramente redigida por um robot, ChatGPT, sem nenhuma intervenção humana. O ChatGPT é o último grito da chamada ‘inteligência’ artificial que combina e sintetiza milhares de dados que lhe permitem escrever textos sem o mínimo esforço criativo humano. Basta solicitar o que se quer para o texto ou artigo surgir. O que o «autor» se limitará a fazer é emendar eventuais incongruências e adaptar o «escrito» à audiência. Esta tecnologia pode também a partir de composições musicais existentes reproduzir músicas de modo artificial, transformando os sintetizadores em figuras pré-históricas.

Alguns países já começaram a tomar medidas para prevenir alguns dos perigos desta nova tecnologia: a Itália decidiu bloquear a utilização do ChatGPT por não garantir a proteção de dados e não possuir filtros para proteger os menores; o EUA estabeleceram um prazo de 60 dias para a elaboração de propostas legislativas regulamentadoras; e a China propôs normas para garantir a segurança.

Porém, nenhuma destas medidas põe verdadeiramente em causa o maior perigo da generalização da utilização do ChatGPT. Tudo o que é padronizável e se baseia em regras-tipo pode ser reproduzido automaticamente pela inteligência artificial. Ao lermos os artigos da edição do Inédito que incidem sobre uma grande diversidade de temas facilmente nos apercebemos que são todos escritos da mesma maneira padronizada resultante do tratamento de milhares dados sobre esses mesmos temas. Toda a criatividade, que é a componente essencial da escrita, é banida. E não basta referir, o próprio robot o reconhece, que o ChatGPT não pode replicar artigos de opinião. Até uma simples notícia sobre a ordem do dia pode ser elaborada de forma crítica e criativa, e não é um artigo de opinião. O ChatGPT pode elaborar teses académicas, já que estas se baseiam normalmente em metodologias padronizadas que podem ser reprodutíveis. A mais longo prazo pode replicar novelas e até poemas.

Seremos cada vez mais libertados do trabalho criativo da escrita no futuro, tanto a nível do romance e como do ensaio? Será que o Fausto de Goethe ou A Montanha Mágica de Thomas Mann seriam possíveis no mundo de replicação generalizada ou de fraude generalizada que a Inteligência Artificial nos anuncia como se fosse a grande descoberta do século XXI? E Eduardo Lourenço e os seus ensaios que marcam a cultura portuguesa do século passado poderiam ter existido? E que dizer destes versos de Frederico García Lorca do poema Poeta en Nueva York: “Asesinado por el cielo, / entre las formas que van hacia la sierpe/y las formas que buscan el cristal, / dejaré crecer mis cabelos”. Será também reprodutível?

O filósofo judeu alemão Max Horkheimer criticava a natureza lógico-abstrata da inteligência matemática, que está na base do ChatGPT, com o argumento de que tal natureza pode moldar-se a tudo ou moldar tudo, ou seja, tanto pode ser utilizada para elaborar a fórmula da transformação da massa em energia de Einstein, como para organizar meticulosamente os comboios que conduziram milhões de pessoas para Auschwitz. O ChatGPT pode ser considerado como o Auschwitz da criatividade humana. O compositor australiano Nick Cave já se apercebeu da verdadeira dimensão desta tecnologia, considerando-a “um exercício de «replicação como farsa» (i, 18.04. 2023). Será que o segundo andamento da Appassionata de Beethoven pode ser replicado pelo ChatGPT? Eis a questão.

ChatGPT, provavelmente a grande fraude do novo milénio, que nos «liberta» cada vez mais de pensar criticamente e criativamente.

Joaquim Jorge Veiguinha