Artigo:Carunchos da União Europeia, Carvalho da Silva, in JN 03/06/2023

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Carunchos da União Europeia

A União Europeia (UE) pode e deve ser um ator influente no tabuleiro da geopolítica? Mesmo que a resposta fosse sim, tal objetivo não seria viável, desde logo pelas contradições internas, um dos carunchos que a vai corroendo. Considerar todos os regimes políticos dos países que a compõem como democráticos é sujeitar o conceito democracia a um contorcionismo impossível. Por outro lado, o federalismo visto como caminho para criar unidade só se concretiza nas áreas que cavam desigualdades: as políticas monetárias na Zona Euro e a financeirização da economia.

O esforço dos líderes da UE para a apresentar como uma orquestra afinada, pressupondo que essa imagem lhe dá estatuto de Bloco de Estados, de grande potência com estratégia autónoma, tem algum efeito simbólico a espaços, mas esbarra com a realidade. Temos uma UE com profundas dependências em múltiplos campos, que recorre muitas vezes a leituras enviesadas dos acontecimentos, para esconder as suas incapacidades.

Dois outros carunchos vão-na moendo. Primeiro, a sua subordinação à potência EUA, num contexto em que os atores das mudanças geopolíticas são os estados, em particular os dos grandes países com capacidade para assumir estratégias próprias e espaços de influência com relacionamentos de mais reciprocidade. É verdade que na UE há países grandes, mas também se encontram manietados.

Segundo, os processos políticos internos na UE têm-se consubstanciado no reforço de forças da extrema-direita, havendo cada vez mais governos de coligações que as integram. Ora, quando estas forças se instalam como atores centrais do sistema político, a sua grande missão é estoirar com estabilizações democráticas. Elas não olham a guerra como um perigo, mas sim como uma oportunidade. Lembremos que, para a valorização do projeto político União Europeia, foram sempre relevadas a garantia da paz e o Estado social. Quando hoje vemos líderes europeus invocarem crises ou situações de emergência para as pôr em causa, isso indica que a penetração da extrema-direita na estrutura e agenda da UE já é muito profunda.

Esta semana, dois acontecimentos muito relevantes evidenciaram fragilidades crescentes para a UE. A tensão entre sérvios e kosovares agudizou-se e surge um caldeirão passível de explodir com estilhaços no Leste europeu e na sensível região dos Balcãs. Nas duas últimas décadas aquela tensão foi sendo gerida com entendimento tácito entre os EUA e a Rússia. Tudo o que se passa com a guerra na Ucrânia pode ter estoirado com essa gestão. As tropas de paz no Kosovo são da NATO. Talvez os governantes da UE devessem ir mostrando aos cidadãos as penalizações a que os poderão estar a sujeitar com algumas decisões que tomam.

Neste quadro complexo, será bom se, na Península Ibérica, cada um dos seus países, de acordo com as suas dimensões e condições específicas, procurar ter um pouco de estratégias própria, muito melhores respostas aos problemas concretos das pessoas e uma forte determinação no combate à extrema-direita.