Bye, bye Trump?
Em 2016, a extrema-direita entrou na Casa Branca com Donald Trump um plutocrata, nacionalista xenófobo, racista e defensor da supremacia branca. Os seus quatro anos na Presidência da República da que até há bem pouco tempo era considerada a maior potência mundial representaram o desenvolvimento de um programa político regressivo que nada teve de improvisado: redução dos impostos sobre os mais ricos e da progressividade fiscal, construção de um muro na fronteira entre o México e os EUA, tentativa gorada de negar o acesso de vinte milhões de cidadãos norte-americanos a um seguro de saúde, favorecimento das indústrias poluentes e retirada do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, ataque aos programas sociais, aos direitos das mulheres e das minorias étnicas. Não se pode dizer que este programa tivesse surgido por geração espontânea: antes pelo contrário, foi fruto de uma vaga de fundo que nas eleições presidenciais do final do ano passado ano tiveram o apoio de mais de 70 milhões de norte-americanos, o que revela o estado comatoso da democracia em terras do Tio Sam, a qual desde o século passado tem sido apresentada pelos seus defensores e apologistas como a referência que o resto mundo deve seguir e prestar, rendido, uma incondicional vassalagem.
Em 6 de janeiro deste ano, uma multidão de adeptos incentivada por Trump e organizada por grupos de extrema-direita assaltou o Capitólio numa tentativa de intimidar o Congresso a não reconhecer a vitória legal do candidato de Joe Biden à Presidência da República numa cena patética digna de uma qualquer república das bananas que no século passado registou o apoio de diversas administrações do Partido Republicano através do encorajamento e da implantação de ditaduras militares que torturaram e mataram milhares de pessoas: basta pensar no derrube do governo democraticamente eleito de Jacob Arbenz na Guatemala da década de cinquenta, para não falar do regime criminoso de Somoza em Salvador, ambos na América Central.
Não restam dúvidas que 6 de fevereiro de 2021 poderá ter iniciado uma nova era, sendo por isso uma data histórica: a era do declínio do império norte-americano perante a ascensão fulgurante do capitalismo de Estado chinês que lhe disputa a hegemonia a nível mundial. A partir de agora, uma coisa é certa: os EUA não podem mais surgir como um exemplo para o resto do mundo, já que a Administração Trump encorajou, defendeu e incentivou durante quatro anos líderes e movimentos de extrema-direita que criaram raízes profundas não apenas nos EUA, mas também na Europa e no mundo.
No seu discurso de tomada de posse o novo Presidente da República norte-americana afirmou que com a sua vitória a democracia tinha ganhado. As primeiras medidas que anunciou parecem ter aberto um novo ciclo: interrupção da construção do muro, retorno aos acordos de Paris, início do processo de legalização de imigrantes, fim da xenofobia antimuçulmana e um plano de 1,9 mil milhões de dólares para relançar uma economia devastada pela atual pandemia que Trump sempre desvalorizou. Com uma maioria em ambas as câmaras do Congresso norte-americano, a nova Administração tem margem de manobra para aplicar o seu programa político. No entanto, não se deve esquecer que o legado de Trump não morreu com a sua derrota, pois cerca de 50 milhões de votantes norte-americanos continuam a acreditar que o novo Presidente ganhou fraudulentamente as eleições, enquanto a maior parte dos membros do Partido Republicano, mesmo no próprio dia em que o Congresso estava sob cerco, continuou a subscrever as suas mentiras e falsidades. Como disse o jornalista espanhol LLuís Bassets, no jornal ‘El País’ do passado domingo, “para que vença totalmente a democracia, como anunciou Biden, faz falta agora vencer o trumpismo”. E isto está ainda longe de acontecer.
Joaquim Jorge Veiguinha