Artigo:“Atirar a toalha ao chão”

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“Atirar a toalha ao chão”

Não, não é sobre a luta dos professores, mas sobre algo com muitos paralelismos. Trata-se da saúde, nas palavras da jornalista Ana Sá Lopes, numa crónica de ontem sobre a sua experiência pessoal no mundo dos hospitais por onde passou enquanto paciente, em Loures e Caldas da Rainha.

A colunista, que assume ter estado “convencida de que o Estado geria melhor a saúde”, acaba por concluir neste artigo, como “uma coisa que me chateia” e na qual “Ideologicamente estou a atirar a toalha ao chão”:

“Eu era contra as parcerias público-privadas, convencida de que o Estado geria melhor a saúde, até ter começado a ser passageira frequente do Hospital de Loures. Não, o Estado não gere melhor, pelo menos aquele.”

Sobre o Hospital de Caldas da Rainha, apela a que:

“Se não for possível contar com o Estado, como parece que não é, faço desde já um apelo aos privados: por favor, abram um hospital decente nas Caldas.”

Ana Sá Lopes não refere nada sobre a explicação do estado das coisas no SNS, nem dos seus muitos aspetos positivos, apesar dos defeitos, pois não se trata desse tipo de artigo de opinião, mas ante um que reflete o conjunto de vivências dolorosas e de angústias por que passou, de que muitos de nós tem algum tipo de experiência ou conhecimento, nem que seja por um familiar ou amigo próximo sujeito às dificuldade de funcionamento do SNS.

O caráter visceral do artigo ilustra de uma forma exemplar como as disfuncionalidades do SNS, resultantes de décadas de subfinanciamento, erodem a base de apoio social necessário à sua continuação, cimentando uma dependência crescente da Saúde às lógicas do lucro, com consequências que adivinhamos no futuro,  já materializado em muitos pontos do globo, como nos EUA. E não é bonito. Os professores estão também nesta luta, pois as fontes das dificuldades do SNS e da Escola Pública têm a mesma origem, assim como de muitos outros setores da administração pública.

Em última análise, o problema do Estado Previdência radica nas questões políticas mais fundamentais, cujos reflexos maiores são a desigualdade na distribuição da riqueza, os baixos rendimentos da população, a consequente falta de natalidade, e, face à estagnação da vida de milhões de portugueses, o crescimento da extrema-direita com o seu conjunto de receitas infalíveis e finais.

Seria bom que o recrudescimento reivindicativo dos últimos tempos, não só dos professores mas também de outras classes profissionais, desse o mote e o exemplo capaz de mobilizar outros setores da população para uma nova fase do desenvolvimento da nossa democracia em torno das necessárias lutas coletivas, sem as quais nada mudará.

João Correia