As Mulheres do meu País
Termino com este texto a minha participação neste final de ano na rubrica Notícia do Dia.
Como sempre, folheio o “Público” logo pela manhã à procura de uma notícia que considere relevante e interessante para sobre ela escrever um pequeno texto. Hoje, não foi fácil. O que se me apresenta é a espuma dos dias: a Jornada Mundial da Juventude, a senhora Lagarde e as suas malfeitorias, a telenovela da TAP, Montenegro a saudar o ministro da saúde pela sua política de abraços ao privado, as eleições em Espanha, o PRR, as vítimas na Ucrânia, até que finalmente, surge uma fotografia de Graça Morais e uma imagem da capa do livro de Maria Lamas, “As Mulheres do meu País” num artigo titulado “Duas Mulheres, o mesmo olhar”. É mesmo isto que vai ser o tema que vou agarrar para o meu texto de hoje.
Amanhã, sai o segundo fascículo da obra que Maria Lamas publicou há precisamente 75 anos, no mesmo ano em que Graça Morais nasceu. O artigo no “Público” aborda a coincidência de a escritora e a pintora terem, nas suas obras, abordado as mulheres do seu país e da sua região transmontana, uma através das palavras, outra através da pintura. Na entrevista que Graça Morais dá ao “Público”, diz: “ Aquela descrição que a Maria Lamas faz das mulheres viúvas, esse retrato é o mesmo que conheci em Trás-os-Montes, nos anos 50, quando era criança. O sonho destas mulheres era casar, porque era uma vergonha quando não arranjavam marido. Mas quando casavam era frequente ficarem sozinhas com muitos filhos – naquele tempo as famílias eram numerosas – porque os maridos, por razões económicas, emigravam. Então vestiam-se de preto e o seu semblante mudava. Lembro-me bem de as ver, prematuramente envelhecidas, de um momento para o outro já sem o viço da juventude. (…) Se não tivesse reparado, em criança, que aquelas eram mulheres muito sofridas, mas ao mesmo tempo fundamentais na comunidade, acho que nunca teria feito estas pinturas.” Na conversa de Graça Morais com Teresa Ribeiro que a entrevistou, fala das mudanças nas vidas mulheres que se operaram muito lentamente com o 25 de Abril, considerando que já só neste século, na sua aldeia, começou a notar diferenças significativas. Mas “a hipocrisia de certas morais em relação às mulheres persiste. E os lugares de prestígio e bem pagos ainda são maioritariamente ocupados pelos homens. Isso tem de mudar.”
Como já em outros momentos, quando fala sobre as mulheres que pintou ao longo de toda a sua vida, Graça Morais volta sempre àquela que foi a sua musa: a mãe. “Fiz estas obras em homenagem à minha mãe, que foi uma mulher muito corajosa e generosa, uma verdadeira matriarca. A forma como a admirava transformou-se, na minha pintura, numa grande homenagem a todas aquelas mulheres. Às mulheres da terra que tinham a idade da minha mãe. Quis dar-lhes visibilidade e acho que consegui mostrá-las por inteiro. Olhei-as tanto que agarrei o que tinham dentro: aquela tristeza, aquele sofrimento, a angústia, mas ao mesmo tempo a bondade e a compaixão.”
Este texto é um convite em duas direcções. Que se tenha curiosidade em conhecer esta obra magistral de Maria Lamas que está a ser publicada em 15 fascículos mensais, sendo que amanhã sai o segundo fascículo e visitar o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança, que guarda as mulheres que retratou.
Boas férias. Boas leituras. Bons passeios. Bom descanso.
Almerinda Bento