As implicações políticas da morte de Ruth Bader Ginsburg
Falecida em 18 de setembro de 2020, a juíza do Supremo Tribunal Federal, Ruth Bader Ginsburg notabilizou-se pela sua defesa das minorias, da igualdade de género e da interrupção voluntária da gravidez, tornando-se um ícone das causas progressistas norte-americanas. Membro durante a sua juventude da União das Liberdades Cívicas Americanas (ACLU), organização defensora dos direitos civis dos EUA, notabilizou-se como advogada por defender e ganhar casos que marcaram a história jurídica do país e o avanço dos novos direitos e liberdades fortemente contestados pela direita conservadora e reacionária.
As implicações políticas da morte desta mulher de extraordinária coragem e lucidez podem ser extremamente graves. Atualmente, o Supremo Tribunal é composto por 5 juízes conservadores e 4 progressistas de nomeação presidencial. A vaga deixada em aberto poderá desequilibrar ainda mais esta composição para 6 contra 3. O Presidente Trump já afirmou que irá nomear um juiz para substituir Ginsburg, apesar de em 3 de novembro deste ano se realizarem as eleições presidenciais norte-americanas, bem como a renovação de 23 lugares de republicanos no Senado contra apenas 12 de democratas, o que poderá pôr em causa a atual maioria conservadora neste órgão.
Cabe ao Senado aprovar a nomeação do novo juiz (ou juíza) proposto pelo Presidente. São precisos 51 senadores para esta aprovação. Os republicanos dispõem atualmente de 53, mais dois do que os necessários, apesar de dois deles terem declarado opor-se a esta nomeação antes da realização das eleições presidenciais. No entanto, o senador Mitt Romney, que foi candidato republicano às eleições presidenciais num passado relativamente recente, já declarou que iria votar a favor da nomeação do juiz antes da realização daquele ato eleitoral, pelo que parece estar garantida a presença no Supremo de mais um juiz conservador que o Presidente Donald Trump prometeu indicar até sexta-feira.
Os republicanos e a direita ultraconservadora norte-americana demonstraram mais uma vez que tudo vale, mesmo a preço da própria incoerência política, desde que o seu programa reacionário atinja os seus objetivos de enorme regressão civilizacional. De facto, o seu líder no Senado, Mitch McConnell, que se tinha oposto à proposta de nomeação de Barack Obama de um novo magistrado para o Supremo após a morte do juiz conservador Antonin Scalia com o argumento de que se estava perante um ano eleitoral e que deveria ser por isso o próximo Presidente eleito a fazer a proposta, registou uma rotação de 180º, defendendo agora a nomeação imediata do novo juiz.
Elucidativo: quando não vencem os ‘nossos’ boicota-se; no caso contrário, abre-se uma ‘via verde’. Se Trump ganhar as eleições a maioria dos juízes conservadores no Supremo Tribunal passará de 7 para 2, uma esmagadora maioria, que irá pôr em causa as grandes conquistas progressistas do século passado e inaugurar um período de tenebroso retrocesso civilizacional com inevitáveis repercussões a nível mundial. Além disto, a intenção de Trump, de não reconhecer a vitória do candidato democrata terá um Supremo provavelmente disposto a ‘arrastar’ o mais possível o processo de validação dos resultados eleitorais das presidenciais. São razões mais que suficientes para que os norte-americanos não renovem a vitória deste presidente que não pode ser colocado no mesmo plano político do seu opositor.
Joaquim Jorge Veiguinha