Alunos impedidos por pais de ir a aulas de Cidadania chumbam: “Crianças estão no centro de uma guerra”
O jornal Público noticiou nesta segunda-feira, 5 de Julho, num texto de Maria João Lopes, que neste ano lectivo, e depois de os pais dos dois alunos de Famalicão terem voltado a não permitir que os filhos frequentassem a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, os jovens não transitaram e os pais apresentaram novamente uma providência cautelar para impedir que os filhos sejam retidos. “As crianças estão no centro de uma guerra e estão a ser prejudicadas”, diz Olívia Carvalho, co-coordenadora do curso de pós-graduação de direitos das crianças e responsabilidades parentais da Universidade Portucalense e juiz social no Tribunal de Família e Menores do Porto. O pai, Artur Mesquita Guimarães, rejeita as críticas, lembrando que os filhos têm bons resultados escolares e não só: “Não ficaram afectados, tiveram uma prestação escolar boa, sempre estiveram disponíveis para escola, têm boa relação com colegas, estão acima do problema em si, e percebem que os pais se preocupam com eles. Fui educado pela liberdade e para a liberdade. Não vamos baixar a cabeça por medo. Estamos numa sociedade democrática. Os nossos filhos são educados para a liberdade, que há coisas boas e difíceis e não a serem superprotegidos.”
Esse não é, porém, o entendimento daquela académica que é ainda docente no departamento de Psicologia e Educação e esteve na origem da criação do núcleo do Norte de apoio à Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. Olívia Carvalho socorre-se de inúmeros artigos da Convenção Sobre os Direitos da Criança, considerando que o Estado está a cumprir essas disposições: “O Estado português está a tomar todas as medidas para o cumprimento dos direitos previstos pela convenção.” Diz ainda existir “uma instrumentalização das crianças pelos pais”, que “não são donos das crianças” e que foram resistindo a soluções como as dos programas de recuperação. “Privando as crianças de frequentar esta disciplina, estão a transmitir-lhes uma desobediência à lei, por um lado, e, por outro, a privarem-nas de, com os colegas, poderem participar na construção deste conhecimento que vai da cidadania aos direitos humanos, sustentabilidade, interculturalidade, saúde, igualdade de género, entre outros”, acrescenta Olívia Carvalho. Artur Mesquita Guimarães rejeita as críticas: “Não estamos a ensinar aos nossos filhos nenhum procedimento de desobediência, nós apresentámos um processo de reclamação de direitos. O que eu entendo é que, pela lei, a disciplina devia ser opcional e estou a reclamar os nossos direitos. Nós estamos a dar um exemplo aos nossos filhos de cidadania, de lutar pelos direitos. O Estado é que tomou os nossos filhos por reféns”, diz, acrescentando que, ao entender que “disciplina não faz sentido”, também não aceita “um programa para recuperar as matérias”.
O Ministério da Educação não comenta o caso e o director do agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, Carlos Teixeira, diz apenas: “Deixemos que as entidades competentes resolvam o assunto pelo melhor para as crianças.” A situação não é nova e repetiu-se neste ano, tendo os alunos voltado a faltar às aulas. Perante a decisão de não transição, os pais apresentaram novamente uma providência cautelar. Já antes, em tribunal, se tinha decidido suspender a decisão de chumbar os alunos nos dois anos lectivos passados, tendo-se considerado que deve prevalecer o interesse dos jovens, embora também se diga que não “se consegue perceber em que é que a violação de consciência ocorre”. A última decisão, e já na sequência de um recurso da tutela, diz respeito à transição nos dois anos anteriores e não contempla este ano lectivo. O pai já recorreu, considerando que “deixou em aberto o futuro”. Decorre ainda um segundo processo accionado pela CPCJ local e remetido ao Ministério Público local, que está no tribunal de família e menores de Famalicão, tendo os pais já sido ouvidos por técnicas da Segurança Social.
Francisco Martins da Silva