Alimentar os crocodilos...
No Expresso de sábado, 14 de janeiro de 2023, deparei-me com um título que me prendeu a atenção. Num apontamento jornalístico com o título: “Alimentar os crocodilos…” afirma a jornalista Teresa Violante: “Quando assistíamos à profanação da sede dos três poderes da República brasileira por uma turba furiosa, num indecente e criminoso desrespeito pelas regras mais básicas da democracia e do Estado de direito, a pergunta era inevitável: como podemos prevenir e evitar estes ataques à democracia?
Segundo a jornalista “A tese, celebrizada por Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, de que as democracias, atualmente, já não capitulam por via de golpes violentos, mas sim através da transformação gradual em regimes autoritários, carecerá de afinamento analítico para incorporar estes episódios violentos que se assemelham ao Putsch de Munique, de Hitler.”
Refere igualmente que : “A nossa democracia não é uma democracia militante: não se defende contra todas e quaisquer ameaças que pretendam surgir contra si própria. Ao contrário do que sucede na Alemanha, não existe na Constituição uma norma que preveja a inconstitucionalidade dos partidos que tendam a atentar contra a ordem constitucional liberal e democrática ou a eliminar ou pôr em perigo a existência da república.”
Ora Teresa Violante afirma igualmente que, temos notícia recente de que instituições cruciais à defesa da integridade da república e do regime democrático, como as forças de segurança, parecem ter no seu interior estruturas, orgânicas ou inorgânicas, que as aproximam do que vimos agora no Brasil, em claro desrespeito à ordem constitucional.
Por outro lado, num mundo onde as ameaças à democracia são novas e complexas e no entender da autora do artigo, seria de esperar um bocadinho mais de atenção ao enquadramento constitucional e legislativo destas questões. Contudo, estando aberto processo de revisão constitucional, para além de uma modesta equiparação, na proposta do PSD, entre ideologias fascistas e outras ideologias totalitárias, nada mais se acrescenta, persistindo-se num modelo de democracia não-militante, sem que a questão suscite, sequer, qualquer debate ou reflexão.
O juiz Alexandre Moraes, responsável pela decisão que determinou a suspensão do governador do Distrito Federal, fez uma singular defesa do conceito de democracia militante, criticando a ‘política de apaziguamento’ dos extremistas e alertando para que os agentes públicos que persistirem na mesma serão responsabilizados, “pois, como ensinava Churchill, ‘um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado’”.
Num mundo complexo, as metáforas são, de facto, muito úteis.
Esta análise pode aclarar uma reflexão mais longa sobre este assunto tão atual. Como já ouvi algures dizer, seria bom pensarmos nisto!!
Ana Cristina Gouveia