Ah, as reuniões…
Reuniões. Se havia algo que lhe causava um reflexo de repulsa e rejeição era a palavra “reunião” ― tédio, perda de tempo, conversa fiada, patético concurso de vulgaridade opinativa, penosa exibição de narcisismos e pequenos poderes irrelevantes.
(Mar de Nuvens, Lisboa, 2014, RCP Edições, p. 67)
E não esquecer subtipos como palestras, conferências, colóquios, seminários, “acções” de formação e outras estopadas que tais.
É nas escolas que o flagelo das reuniões é mais grave. É de lá que se propaga a mania das reuniões, a arte de bem reunir a toda a hora, a propósito de tudo e de nada. Chega-se mesmo a fazer reuniões para marcar reuniões. Na maior parte dos casos, são reuniões para informar sobre assuntos que ninguém quer saber ou de que ninguém precisa de ser informado. Noutros casos, como os conselhos de turma, reúne-se para conferir papelada que reproduz registos feitos por cada um no sistema informático da escola, papelada redundante, diferentes versões do mesmo verbo de encher que correm o risco de se contradizer. Acresce este risco ser inócuo — o que acontece na reunião fica na reunião, a reunião é um fim em si mesma.
Durante os confinamentos, as consequências da reunite aligeiraram-se. O meio ambiente deu logo sinais de regozijo. Com as ruas vazias e o ar limpo, reapareceram aves e borboletas que há muito não víamos. E soube-se de reuniões online que conseguiram mesmo alguma produtividade. Sem conversas paralelas e suspiros de impaciência, essas reuniões foram menos morosas. E um bocadinho menos penosas.
Mas, eis que tudo voltou ao normal. Há outra vez menos passarinhos e borboletas nem vê-las; o ar está agora tão ou mais poluído do que antes e as reuniões voltaram a ser presenciais.
Mas o termo “presencial” ficou mais impreciso. Até que ponto estamos agora tão presentes como antes da epifania das reuniões sem sair de casa? A nossa presença física disfarça, por vezes mal, a ausência do espírito a divagar entre interrogações como: por que diabo tenho de aturar esta chumbada, depois de cumprido o dia de trabalho?, e não deveria ser considerada hora extraordinária?, este arrazoado calino cheio de “póssamos”, “hadem”, “ir de encontro” e mais “a perca” que é sempre grande e “aquilo que é” e “aquilo que são”, não podia, depois de convertido em português escorreito, ter sido enviado por e-mail?, e o combustível gasto em mais estas viagens de ida e volta, quem mo paga?, e o tempo gasto no trânsito, quem mo compensa?, então e a pegada carbónica e o aquecimento global e as alterações climáticas, que agora passamos a vida a pregar aos alunos?, tudo balelas? Pois, “balelas” quase sempre rima com reunião.
Convocadores/dinamizadores compulsivos de reuniões, fazei-vos um grande favor e à Humanidade e à Natureza: enxergai-vos.
E lede, lede muito.
Francisco Martins da Silva