Artigo:Água mole em pedra dura…

Pastas / Informação / Todas as Notícias

Água mole em pedra dura…

Vilfredo Pareto (1840-1923), sociólogo italiano, distingue dois tipos de políticos: os políticos que perseguem fins ideais que, em geral, provêm da classe governada, que designa por “classe II”, isto é, que só excecionalmente ascendem ao poder, e os que que provêm das classes tradicionalmente dominantes, da “classe I”, segundo a sua designação, que estão habituados, por herança endogâmica, a exercê-lo. Os primeiros quando conseguem chegar ao poder, facto que Pareto, um pré-fascista, nem sequer admitia, exercem-no de forma ingénua ou desastrosa devido à sua inexperiência política, enquanto os segundos, mestres na astúcia e na manipulação políticas, conseguem preservá-lo e ampliá-lo contra todas as vicissitudes e transmiti-lo de geração para geração aos que integram o seu ‘seleto’ círculo político de notáveis.

O Presidente peruano Pedro Castillo, eleito há pouco mais de um ano e meio, integra-se nos políticos do primeiro tipo. Representante das classes mais desfavorecidas, sobretudo das classes camponesas autóctones de origem não europeia, de um país fraturado por enormes desigualdades económicas e socais, não resistiu à ofensiva dos grupos oligárquicos dominantes contra o seu mandato, ao que tudo indica desastroso, em que predominou um parlamento hostil, desde o início, que tudo fez para destituí-lo, num processo de guerrilha institucional que contou com um poderoso aliado, a magistratura judicial. Não sabendo avaliar corretamente a relação de forças políticas e, sobretudo, inexperiente politicamente, este professor do primeiro ciclo de uma região rural distante de Lima, a capital do país, tentou dissolver o parlamento, na quarta-feira da semana passada, estabelecendo o recolher obrigatório e declarando que passaria a governar por decreto, posição a que recorrem frequentemente os candidatos a ditadores e, por isso, totalmente inaceitável em democracia. Foi detido com a acusação de rebelião contra a ordem instituída, o que lhe poderá valer uma condenação de 50 anos de prisão. Castillo já pediu asilo político ao México do Presidente Manuel López Obrador, invocando, em sua defesa, que foi criado pela “justiça um clima de vulnerabilidade e de perseguição política de todos aqueles que pensam de forma diferente do grupo oligárquico dominante que impera em todas as instituições do país” (Público, 10.12.2022)

Estas considerações não são totalmente aceitáveis, já que o seu mandato foi caótico com os seus colaboradores a abandonarem um após outro o governo, enquanto Castillo se refugiava num isolamento que, dia após dia se tornava cada vez mais insustentável. Segundo o correspondente do jornal espanhol El País na capital peruana, Juán Diego Quesada, o Presidente da República peruana foi um candidato ‘substituto’, lançado para a ‘arena das feras’ por Vladimir Cerrón, um marxista e médico cirurgião, representante do Partido Perú Libre com grandes capacidades de persuasão política, que foi impedido de concorrer às eleições presidenciais pelo poder judicial: percebe-se porquê. Este conseguiu descobrir numa região remota um candidato que tinha dado provas da sua capacidade de militância como dirigente sindical. Contra todas as perspetivas, Castillo conseguiu capitalizar o sentimento de revolta da população mais desfavorecida contra o sistema oligárquico dominante e ganhar as eleições presidenciais peruanas por uma curta margem.

Por outro lado, o Parlamento peruano, segundo o mesmo jornalista do melhor diário do país vizinho, não pode ser considerado um exemplo de isenção política, pois é constituído apenas por políticos que não representam a maioria da população trabalhadora peruana, mas que apenas “defendem os interesses dos empresários e das corporações organizadas sem ter em conta o interesse geral” (El País, 10. 12. 2022). Castillo foi substituído no cargo pela sua vice-presidente, Dina Boluarte, uma espécie de reedição do que já sucedeu com Evo Morales na Bolívia que, apesar de prometer eleições antecipadas, enfrenta uma forte hostilidade de grande parte do povo peruano que não a reconhece. Esta semana as manifestações e as mortes em consequência da repressão policial ao serviço da oligarquia dominante não pararam de aumentar sob a palavra de ordem “que se vayan todos”, pois seis presidentes peruanos tiveram a mesma sorte de Castillo e as pessoas não podem suportar por muito mais tempo esta situação insustentável num país com tantas carências e tão fraturado socialmente.

Para concluir, a destituição de Pedro Castillo leva-nos a concluir que a frase do político italiano Giulio Andreotti, “o poder desgasta a quem não o tem” (Il potere logora chi non ce l’ha), deve dar lugar a um novo lema: “o poder desgasta a quem não está habituado a exercê-lo”.

Joaquim Jorge Veiguinha