Artigo:Afasia política

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Afasia política

Os que vinham alegadamente “desnazificar” a Ucrânia estão a deixar pelo caminho um rastro de destruição: civis mortos com as mãos atrás das costas, anciãos caídos pelas ruas, cadáveres amontoados, valas comuns com centenas de corpos, violações de uma soldadesca embriagada, a que se acrescentam bombardeamentos indiscriminados de uma população indefesa. Perante a resistência não prevista do exército ucraniano apoiada pelo Ocidente, as atrocidades não param de crescer, havendo fortes indícios de que o regime de Putin e o bando de oligarcas que o apoia e cuja opulência é construída à custa da miséria do povo russo são responsáveis por crimes de guerra contra a humanidade.

São absurdas e ridículas as justificações do regime invasor. Os massacres na localidade de Bucha são atribuídos aos ucranianos que “chacinaram” os próprios compatriotas após a saída das tropas russas da cidade no fim de março quando existem imagens de satélite que provam que os cadáveres de civis já estavam espalhados pelas ruas da cidade há três semanas. Para a propaganda do Kremlin tudo isto não passa de uma encenação, um conjunto de falsos vídeos e fake news, perpetrados pelos “neonazis” e o exército ucranianos para conseguirem o apoio do Ocidente. Uma ucraniana de língua russa entrevistada pela revista italiana L’Espresso (20 de março 2022) revela como o regime invasor manipula a informação para esconder as suas responsabilidades no morticínio de que é o principal responsável: “Tenho a minha mãe na Rússia e agora já não nos falamos. Diz que o exército russo veio para nos libertar dos nazifascistas como após a Segunda Guerra Mundial, e se lhe explico o horror que este nos trouxe responde-me que sou vítima de notícias falsas, que é o nosso exército a bombardear-nos, um bando de corruptos”. Tudo indica que a propaganda estalinista deixou herdeiros…

Testemunhos de organizações independentes confirmam a existência de graves violações dos direitos humanos em Bucha. Para a Human Rights Watch, as imagens de civis armados com as mãos amarradas atrás das costas constituem “um caso inequívoco de execução sumária pelas forças russas” (DN, 4.04.2022) ou pelos seus aliados do regime tchetcheno de Ramzam Kadirov, que o presidente da Câmara de Bucha, Anatoli Fedoruk, considera serem os principais responsáveis pela execução de civis. Anabela Alves, jurista que trabalhou no julgamento dos massacres de Srebrenica na Bósnia-Herzegovina, não tem dúvidas a este respeito: “Não é possível” – afirma – “negar o que está visível em fotos e vídeos. Isto é tão horroroso que as pessoas podem ficar em estado de negação, mas além de vídeos estamos a receber o testemunho de vítimas e testemunhos diretos. Há confirmação que corredores humanitários foram bombardeados pelos russos, dispararam contra autocarros, colocam explosivos na estrada” (i, 6. 04 2022).

Em Portugal, o “estado de negação” está a afetar gravemente algumas personagens à procura de autor: é o novo fenómeno da afasia política. Assim, alguns evitam pronunciar-se sobre os massacres através de uma manobra diversiva, expediente em que revelam um talento que pouco tem a ver com a análise política, mas mais com a science fiction, defendendo que a guerra da Ucrânia é apenas um conflito entre o Ocidente, por um lado, e o capitalismo russo e o capitalismo e Estado chinês, por outro, para a redistribuição dos materiais estratégicos necessários à transição ecológica e à reconversão digital das economias ocidentais no contexto de uma alegada “crise estrutural da acumulação” à escala mundial. Delirante!

 Outros, afirmam condenar a invasão, mas sublinham que as suas causas remotas residem na ingerência da NATO dos EUA desde 2014 com o objetivo de enfraquecer a Federação Russa e uma eventual aliança estratégica entre esta e a China, ao que tudo indica os principais baluartes contra o que designam “a ordem unilateral do pós Muro de Berlim”, uma espécie de ‘império do mal’ que importa conter a todo custo, o que contribui para, de certo modo, legitimarem a invasão que dizem condenar. Por fim, restam aqueles que nos últimos tempos, não se têm cansado de apelar à “paz”, na linha do alegado “Conselho para a Paz e a Cooperação” próximo da defunta ex-União Soviética, abstendo-se, no entanto, de reconhecer explicitamente que a Ucrânia foi invadida pelas tropas da Federação Russa e dos seus mercenários aliados e que colocaram entre aspas os “crimes de guerra” cometidos numa proposta que apresentaram recentemente na Assembleia Municipal de Lisboa.

Sem “aspas”: é imperiosa e necessária uma investigação independente com o objetivo de levar os responsáveis dos massacres independentemente da sua nacionalidade, como precedentemente o sérvio Radovan Karadzic, condenado a 40 anos de prisão por genocídio e crimes contra a humanidade, perante um tribunal penal internacional. Os que a tal se opuserem precisam urgentemente de tratamento psiquiátrico para reduzir os sintomas  da sua afasia política.

Joaquim Jorge Veiguinha