a voz a quem entra
Sara Covas
| Dirigente Sindical |
Sara Francisco tem 23 anos e está a terminar o Mestrado em Ensino de Português e Língua Estrangeira no 3.º Ciclo do Ensino Básico e Secundário, enquanto dá aulas de Português Língua Não Materna na Escola EB 2,3 Professor Galopim de Carvalho, no concelho de Sintra.
Sara Covas (SC) - Estás a acabar o mestrado em ensino e acumulas horas com um turma de PLNM. Como tem sido a conciliação?
Sara Francisco (SF) - Não tem sido fácil, especialmente porque estou a estagiar em duas escolas distintas. Por vezes, existem sobreposições de aulas, reuniões e atividades e eu nem sempre consigo garantir a minha presença e o meu devido contributo.
A prática de ensino supervisionada implica bastantes horas de trabalho, horas em que estamos ora a planificar, ora a lecionar, ora a corrigir trabalhos, ora a refletir e a escrever o nosso relatório... Quando a isto adicionamos a responsabilidade de assegurar uma turma de PLNM, é óbvio que o trabalho não diminui, muito pelo contrário. No meu caso, ainda é mais exaustivo devido ao facto de trabalhar mais do que um nível em PLNM.
Não obstante, trabalhar como professora de PLNM tem sido uma experiência crucial para mim, dado que o estágio ainda não consegue oferecer aos mestrandos a possibilidade de terem as suas próprias turmas. Sinceramente, eu sinto que ainda existe uma diferença muito significativa entre dar aulas como estagiária e dar aulas como professora (no meu caso, de PLNM), tanto no que diz respeito às partes mais administrativas, como nas próprias relações com os alunos, dado que no estágio não se dá um envolvimento tão grande na comunidade escolar e na própria prática docente.
SC - Relativamente ao PLNM, parece um parente pobre no nosso sistema e que carece de uma reflexão urgente. Há cada vez mais alunos estrangeiros, integrados ao longo do ano, que vão aprendendo a língua ao mesmo tempo que estão a ter aulas de ciências, matemática, física química. Acabam por ficar em segundo plano. Como geres esse sentimento de frustração?
SF - Sem dúvida que o PLNM carece de uma reflexão urgente e de um sistema que reconheça a sua importância. Infelizmente, os alunos que chegam a Portugal vindos de um país estrangeiro e necessitam de uma aprendizagem mais elementar da língua portuguesa, ainda são colocados todos na mesma turma independentemente do seu nível de proficiência linguística ou juntamente com os alunos de português regular das suas respetivas turmas... Existem vários problemas associados a esta realidade. Em primeiro lugar, é muito difícil gerir uma turma em que existem diferentes níveis de proficiência linguística, o que resulta, evidentemente, num ensino e numa aprendizagem menos orientados e, por conseguinte, menos eficazes. Em segundo lugar, é utópico pensar que esta é a forma ideal de integração e inclusão de um aluno no sistema escolar português. Estas famílias, quando chegam a Portugal, necessitam de apoio por parte da escola, formação. Em vez disso, os alunos são condenados a reprovar porque é muito difícil transitarem para o ano seguinte quando têm dificuldades em compreender o português... Quando vêm à escola não entendem nada do que se passa nas aulas e, dadas as circunstâncias, tendem a desinteressar-se e a faltar mais às aulas. Já os encarregados de educação, que na maior parte das vezes também têm dificuldades em comunicar com a escola, vivem com imenso medo que os seus educandos sejam notificados à CPCJ.
Na minha opinião, a disciplina de PLNM é fundamental para a boa integração e inclusão dos alunos estrangeiros nas escolas portuguesas e para que exista um ambiente escolar diverso e respeitoso. Contudo, estes alunos e as suas famílias necessitam de um ano de integração e inclusão mais eficaz, que os ajude a conhecer a cultura portuguesa e os processos administrativos ligados às áreas de maior interesse (como, por exemplo: a educação, a saúde, o trabalho e a habitação).
Realmente, é muito frustrante ver que estes alunos e as suas famílias ainda sofrem com as lacunas do sistema de ensino que vigora atualmente em Portugal. Mas eu acredito que haja quem queira melhorá-lo e que lute para que isso aconteça e espero que futuramente se comecem a dar algumas mudanças positivas, como por exemplo criar um grupo de recrutamento para PLNM e um respetivo mestrado em ensino.
Texto original publicado no Escola/Informação n.º 308 | maio/junho 2024