Artigo:a voz a quem entra | Rui Antunes

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a voz a quem entra

Sara Covas | dirigente SPGL

Rui Antunes tem 25 anos e é professor de Filosofia na Escola Sebastião e Silva 

em Oeiras, defendeu a sua profissionalização com a tese “O problema do raciocínio indutivo no ensino secundário” em 2023 e encontra-se a frequentar o doutoramento na disciplina que leciona na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Sara Covas - Defendeste a tua tese de mestrado e estás agora fazer o doutoramento enquanto lecionas. Pergunto-te qual é a tua opinião sobre a integração de doutorados e investigadores nas escolas.

Rui Antunes  - O meu olhar sobre esse assunto tem duas grandes dimensões:

A primeira, integrar quadros com uma qualificação científica muito elevada na escola é positivo, contudo é necessário garantir dois aspetos fundamentais:

a) que os doutorandos e investigadores possam fazer a formação pedagógica o mais rapidamente possível; 

b) que não sejam reposicionados na carreira à frente de quem já tem essa mesma formação pedagógica, ainda que o grau de habilitação possa ser menor.

Segundo, parece-me que esta solução é engenhosa, num sentido negativo. Se por um lado pode ajudar a colmatar alguma falta de professores, por outro lado adia ou afasta totalmente um direito que é devido aos doutorados e investigadores há muito tempo: a criação de uma carreira séria e o fim da sua precariedade laboral.

Neste sentido, as minhas reservas não se prendem com os doutorados ou os investigadores que possam eventualmente ingressar nas escolas, mas sim com os potenciais objetivos desta ideia.

Em relação à primeira dimensão, mais propriamente à alínea a), parece-me fundamental que os doutorandos ou investigadores façam o mais rapidamente possível formação pedagógica. Do ponto de vista científico, são incontestáveis, contudo, os alunos que irão ter são bastante diferentes daqueles aos quais possam estar habituados a ter no ensino superior. É necessário um reajuste significativo à lecionação. No que concerne à alínea b), parece-me da mais elementar justiça que alguém que escolheu dedicar a sua carreira profissional ao ensino, completando todos os graus que lhe foram exigidos, não veja agora o seu esforço ser desvalorizado, tendo colegas que optaram inicialmente, por outra via, a serem colocados à sua frente através de condições  especiais de acesso à carreira.

Por fim, e talvez o ponto mais relevante, é necessário criar, urgentemente, uma carreira séria para os investigadores. A investigação científica seja em que área for é um motor de qualquer país, é preciso apostar em carreiras sérias onde os nossos investigadores e doutorandos se podem dedicar exclusivamente, caso essa seja a sua vontade, à investigação. A possibilidade de darem aulas deve ser uma opção tomada por vontade de lecionar, de participar ativamente para a construção de uma escola pública melhor, e não da fuga de uma carreira precária. 

Texto originalmente publicado no Escola/Informação n.º 309 | setembro/outubro 2024