Artigo:A voz a quem entra | À conversa com Rodrigo Cabral

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a voz a quem entra

Eduardo Jordão | Dirigente SPGL

Rodrigo Cabral é professor do grupo de recrutamento de Economia e Contabilidade, tem 29 anos, dá aulas há 3 anos.

E.J.: Sei que, embora a tua profissionalização seja em Economia e Contabilidade, estás a lecionar outras disciplinas. Como lidas com a situação?

R.C.: Segundo o que se divulga na profissionalização em Economia e Contabilidade, e apesar da designação cingida a duas disciplinas, o grupo está fundado numa ideia de holismo das Ciências Sociais (CS) e de incentivo à capacidade de investigação do docente. A verdade é que, na prática, não somos doutos professores das CS, mas sim multitaskers que lecionam tudo sem serem nada. Ao invés de uma função com seriedade pedagógica e científica, lecionar no 430 é estar subjugado à rotatividade de hoje lecionar Economia e amanhã Técnicas de Secretariado, e à obrigação de, em disciplinas como a segunda, destinadas a cursos importados do IEFP, sermos formadores sem currículos consolidados e, por isso, apartados do rigor de outras disciplinas. Nesse contexto, uma saudável autonomia para a investigação e seleção de conteúdos para programação curricular surge não como realização intelectual, mas antes como um voluntarismo em tapar buracos de um Ensino Profissional que, segundo a minha experiência, resume-se a uma recruta laboral dos alunos.

Que problemas encontraste nestes 3 anos de docência?

 Talvez o que mais me tem angustiando é verificar que a obediência a formalismos para vigilância da minha “produtividade”, paradoxalmente produtora de ineficiência, não só é mais valorizada que a preocupação com os alunos, como também afeta a minha disposição para ser crítico e consciente da estrutura que me envolve. A isso adiciona-se o conflito ético em constatar que toda a exigência de rigor nada mais é do que uma estética que oculta uma tremenda negligência institucional e cujo escrutínio, num contexto de uma gestão pouco democrática, é quase inexistente. De facto, os momentos de reunião, que deveriam ser espaços de discussão da realidade escolar, reduzem-se ao exame de “resultados” pelo preenchimento de instrumentos de controle que, por surgirem como fim em si mesmos, são vazios de propósito. No final de contas, sinto que, ao invés de ser um agente ativo na transformação da escola, somente consigo menorizar estragos de um ensino cujo produto é alheio aos sujeitos que o produzem.

O que te levou à sindicalização e qual o papel que achas que o sindicato deve ter na vida dos docentes?

Perante o desgaste de me deparar com uma estrutura maior do que eu, compreendi que a concretização da minha vontade em construir uma escola para os alunos, e a subsistência de tal disposição ética, é vã no voluntarismo, sendo somente possível no seio de uma coletividade forte e concreta, como é o sindicato. Com o sindicato, há mais liberdade para assumir, sem receios, um papel ativo tanto na docência como na ação política de combate à manutenção e o reforço de lógicas de vigilância e subserviência.

Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 42 | março/abril 2024