A vã esperança portuguesa dos sarauís
O Sara Ocidental é um território não-autónomo, reconhecido pela ONU desde a década de sessenta do século XX. Foi ocupado por Marrocos em 1975, logo que terminou a colonização espanhola. Do ponto de vista do direito internacional, a questão sarauí é semelhante à de Timor-Leste, aquando da ocupação indonésia.
O representante da Frente Polisário em Bruxelas, Omar Mih, em entrevista à jornalista da RTP Andreia Martins, exortou a UE a olhar para o exemplo da boa política de Portugal em relação a Timor e a respeitar o que votou na ONU — que o território do Sara Ocidental não é Marrocos e que o povo sarauí tem direito à independência. Pediu à UE que respeite as sentenças dos seus tribunais, que em várias ocasiões decretaram que o Sara Ocidental e Marrocos são distintos, e que os acordos com Marrocos não devem incluir nem as águas nem os recursos naturais nem muito menos o território do Sara Ocidental.
Omar Mih sublinha que o movimento Frente Polisário não é terrorista, nunca recorreu a acções violentas para fazer notar a causa do Sara Ocidental e partilha com a UE os valores da liberdade e do respeito pelos direitos humanos. Salienta ainda que fazer fracassar a experiência da Frente Polisário é criar um vazio que será preenchido por extremismos.
Perguntado sobre o que espera de Portugal ao nível diplomático e económico, por referir insistentemente o exemplo de Timor, Omar Mih responde que Portugal é um país importante da UE e do Mediterrâneo; tem boas relações com todos os protagonistas neste conflito e pode convencer a Espanha, a França e outros países, no quadro da ONU, a fazerem o que fez com Timor.
Raul Braga Pires, comentador especializado em assuntos de Marrocos, argumenta que o Sara Ocidental ainda não teve uma solução semelhante à de Timor porque a ONU não é independente dos Estados que a formam, e Marrocos tem dois aliados estratégicos importantes, a França e os Estados Unidos, que têm assento permanente no Conselho de Segurança. Por outro lado, a táctica diplomática de Marrocos é a apresentação do dado adquirido: quando vai para as negociações das pescas ou da agricultura com a UE, apresenta o Sara Ocidental, a que chama “províncias do Sul”, como parte do território marroquino. Apesar de, individualmente, Portugal e os outros países europeus não reconhecerem a soberania de Marrocos sobre o Sara Ocidental, a UE, numa ambivalência cautelosa, aceita-a como dado adquirido.
Com Timor, Portugal e a UE não hesitaram em defender o princípio da autodeterminação dos povos, porque Timor fica longe e a sua independência não teria consequências nas relações europeias. No caso do Sara Ocidental, a realpolitik sobrepõe-se à legalidade internacional: da independência sarauí poderão advir desequilíbrios dentro da Europa e na relação com o Norte de África; já aos Estados Unidos só interessa a questão securitária, e, por esse “bem maior”, os sarauís serão sacrificados sem hesitação. Foi em nome da segurança que Trump reconheceu o Sara Ocidental como território marroquino, nos acordos de Abraão, e Biden ainda não o contraditou.
No terreno e sem ilusões, a Frente Polisário, movimento de libertação sarauí, declarou o regresso à guerra a 14 de Novembro de 2020, depois de acusar Marrocos de violar o cessar-fogo em vigor desde 1991. Para os guerrilheiros sarauís, ao cabo de 46 anos de ocupação marroquina e duplicidade da ONU, é a pátria ou o martírio.
Francisco Martins da Silva