Artigo:A tolerância das maiorias

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A tolerância das maiorias

Em 10 de maio de 2010, o novo presidente do Tribunal Constitucional, João Caupers, manifestou a sua oposição à promulgação da lei que reconhecia o direito dos homossexuais a contraírem matrimónio, com a seguinte argumentação: “Uma coisa é a tolerância para com as minorias e outra bem diferente, a promoção das respetivas ideias: os homossexuais não são nenhuma vanguarda iluminada, nenhuma elite. Não estão destinados a crescer e a expandir-se até os heterossexuais serem eles próprios uma minoria. E nas sociedades democráticas são as minorias que são toleradas pela maioria – não o contrário” (DN, 16/2/2001).

O que nos interessa sublinhar nesta argumentação é a conceção de democracia como o regime em que as minorias são toleradas pelas maiorias que, alegadamente, são depositárias exclusivas da razão e da soberania política. Se assim fosse, as minorias seriam desprovidas de direitos ou desfrutariam de direitos precários pois, no fundo, estes dependeriam da tolerância da maioria que, a qualquer momento, poderia subtraí-los, tal como os tinha graciosamente concedido.

A democracia não tem como característica estrutural o princípio da subordinação da minoria à maioria, mas a igualdade e a liberdade de todos e sobretudo a não submissão do indivíduo à opressão dos outros, mesmo que estes constituam a ‘maioria’, no respeito inalienável pela sua capacidade de autodeterminação. Tal significa que tanto os direitos dos homossexuais como os de outras minorias – étnicas, confessionais, etc. – devem ser social e politicamente reconhecidos num regime democrático, tanto mais que, em grande parte dos casos, estes grupos foram marginalizados e oprimidos durante muito tempo. Hoje mais do que nunca, a democracia não se caracteriza pela homogeneidade quantitativa do princípio maioritário, baseado numa igualdade meramente, formal, abstrata de todos perante a lei, mas pela heterogeneidade, ou seja, pelo reconhecimento da diversidade ou das diferenças sempre que estas, é certo, não se tornem exclusivistas. Isto significa que os direitos das minorias têm uma validade objetiva e universal que não empobrece a democracia, mas a enriquece cada vez mais.

Não resisto a citar esta passagem da obra Democracia política e social (1926) do socialista austríaco Max Adler (1873-1937) que me parece plenamente atual: “Nesta sociedade a minoria não é como na sociedade solidária simplesmente uma fração que tem outra opinião sobre a forma segundo a qual há que velar pelo interesse coletivo, mas um grupo da população cujos interesses são outros, que não consegue fazê-los prevalecer; numa palavra, um grupo que é oprimido e dominado”.

A natureza social da democracia tem precisamente como fundamento a sociedade solidária a que Adler se referia e não a tolerância da maioria que corre o sério risco de transformar-se em tirania da maioria.

Joaquim Jorge Veiguinha