Artigo:A TODAS AS CONSCIÊNCIAS DORIDAS, Domingos Lopes, in O Chocalho, 26/03/2022

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A TODAS AS CONSCIÊNCIAS DORIDAS

Uma certeza me parece certa – as invasões, as ocupações e as mortes para os órgãos de comunicação social têm valores muito diferentes.

Para comprovar esta conclusão inicial parto do princípio universalmente aceite que as invasões e ocupações são totalmente condenáveis.

Deste modo, a invasão do Iraque, da Síria, da Líbia, do Kosovo, do Iémen e da Ucrânia só poderiam merecer a condenação da comunidade internacional.

O rosário de destruição e de mortes diz respeito a seres humanos e os agentes das destruições e das mortes deveriam ser julgados à luz dos mesmos critérios.

Pode-se ter em conta o volume das mortes e o grau de destruição, mas uma invasão e uma ocupação só pode ter em comum a reprovação universal.

Neste momento, os media bombardeiam-nos com os bombardeamentos russos e todos sentimos o desespero humano da impotência face à tragédia.

Ao mesmo tempo, a cada segundo, minuto, hora e dia os iemenitas são bombardeados por uma coligação de Estados capitaneados pela autocrática Arábia Saudita e morre gente a cada segundo, minuto, hora e dia. E que nos dizem os media? Quase nada. Os Estados que bombardeiam e que têm o apoio claro dos EUA constituem ditaduras absolutistas de tipo medieval. Há uns dias o regime saudita decapitou 81 presos.

No entanto, há uma espécie de cortina de ferro que tapa tudo e o que se lá passa chega de viés, como se fosse natural. Quantas portuguesas e quantos portugueses sabem que a cada segundo, a cada minuto e a cada dia há seres humanos no Iémen que são trucidados e que milhões de seres humanos não têm comida?

Quem de entre todos os seres humanos de boa vontade pediu sanções contra a Arábia Saudita? O big money fala mais alto que a democracia.

Quem tem coração para a Ucrânia por que não tem para o Iémen? Quem tem memória da invasão, ocupação, destruição do Iraque e das dezenas e dezenas de milhares de mortos iraquianos? Quem se esqueceu de Faluja e Mossul? Quem pediu uma sanção contra os que desencadearam a guerra contra o direito internacional? Por que motivo Biden, Macron, Scholtz, Zelensky, Putin não classificam de criminosos de guerra aos responsáveis pelos horrores cometidos contra o povo iraquiano? Quem esqueceu o interminável rol de torturas no centro prisional de Abu Ghraib? E que têm os palestinianos de Gaza e da Cisjordânia a quem ninguém acode quando dias, semanas e meses são bombardeados pelos governantes de Israel sem dó, nem piedade? Quantas dezenas de milhares de palestinianos mortos são precisos para uma sanção a Israel?

Nada destas invasões e ocupações justificam a invasão da Ucrânia pela Rússia; todas sem exceção são condenáveis.

Mas a verdade é que a ocupação da Ucrânia nos invade do ponto de vista mediático e que nos deixa atordoados. Mas qual o motivo que impediu o mundo de pedir a punição que agora pede? Por que não aparece um governante bondoso e caridoso a pedir sanções contra os autores da invasão e ocupação do Iraque?

O mundo corre a grande velocidade. A solidão de quem corre de casa para o trabalho e regresso a casa presta-se a ser sublimada pelas caixas televisivas; uma nova espécie de Coliseu romano.

Já nem os smartphones nos deixam sós; a inteligência artificial persegue-nos para o bem e para o mal. Apesar de tudo vamos continuar a fazer a nossa História, como sempre. Sem saber se é para sempre.

Domingos Lopes