Artigo:A Selva Amazónica

Pastas / Informação / Todas as Notícias

A Selva Amazónica

Ontem, no Público, Maria João Marques escreve sobre o cenário dantesco que os trabalhadores da Amazon têm de enfrentar, onde, para não se comprometer o lucro do Sr. Jeff Bezos, é comum terem de urinar e defecar onde calha, nas instalações e nas carrinhas de transporte.

Estamos a ficar habituados ao clima de exploração laboral, como diz Maria João Marques a propósito das práticas da Amazon, uma das empresas mais beneficiadas pela crise económica resultante da pandemia: “Tudo demasiado semelhante aos inícios da revolução industrial, nos séculos XVIII e XIX, com gigantescas fortunas construídas sobre o trabalho incessante e explorado até ao tutano dos mais pobres."

O resultado desta exploração desumanizante são os preços baixos que a empresa pratica para levar as mercadorias ao cliente final, o que, obviamente, sabe bem ao consumidor. Nada de novo, portanto. É esse o quotidiano económico a que nos habituamos com a globalização desde há décadas, em que as regras da OMC determinam que não interesse nada como o produto ou o serviço foi obtido, apenas a sua qualidade final, mesmo se trabalho escravo e/ou infantil ou grande dano ambiental estiverem implicados.

Em Portugal, simbolicamente, nem no 1º de maio se encerra o estabelecimento, moda iniciada naqueles célebres descontos de 50% que o Pingo Doce decidiu fazer em 2012, numa pervertida forma de comemorar a data, que levaram o caos às lojas, submergidas pelas massas ansiosas de, assim, comprarem o melhor 1º de maio das suas vidas. Um retrato do profundo desligamento duma boa parte do país à sua condição fundamental: a de cidadãos trabalhadores. A mesma que, muito provavelmente, apoia o CHEGA.

Há que retomar uma forte agenda de defesa dos direitos de todos os trabalhadores, de qualquer nação, cor, sexo, porque eles não são apenas um meio, são um fim, pois do seu rendimento depende o bem-estar e saúde das famílias a que pertencem, a qual, segundo a OMS, envolve não apenas dimensão física, mas também a psicológica e social. Sem salários e condições de trabalho justas não há saúde individual, o que significa que teremos sociedades doentes, pois estas são fundamentalmente o somatório dos indivíduos que compõem a sua maioria, os trabalhadores, e não dos poucos que, por razões diversas, e em qualquer circunstância, têm sempre uma boa vida garantida. 

E sabemos bem das doenças que o Estado Novo gerou na sociedade portuguesa com a sua política de pauperização intencional da maioria dos portugueses, tanto física como mental, e como hoje ainda estamos a pagar as consequências disso.

A essas, somam-se outras, quais pandemias, que em Portugal também se corporizam na Iniciativa Liberal e no CHEGA, prontas a outorgar e manter práticas como aquelas que Maria João Marques denuncia no contexto da Amazon:

“Os trabalhadores carregam consigo em todos os momentos um equipamento que os informa que precisam de caminhar mais depressa (enquanto correm o armazém recolhendo os produtos de cada encomenda) e os notifica de todas as horas em que diminuíram a produtividade. A comida na cantina é imprestável, a ser consumida num ápice para regressar ao trabalho. São revistados a cada entrada e saída do armazém, incluindo para irem à casa de banho – donde, cada uma destas deslocações demora muito tempo e faz afundar a produtividade do trabalhador."

A banalidade do mal, consentida e acarinhada de cada vez que fazemos uma encomenda, cavando mais fundo o buraco em que estamos. Consumir é tudo menos um ato inocente; é mais o boomerang que se lança e não se sabe quando e como chega. 

João Correia