Artigo:A política suicida de aumento dos juros do BCE

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A política suicida de aumento dos juros do BCE

 

Nos EUA, três bancos, o Silicon Valley Bank (SVB), o Silvergate e o Signature colapsaram. O primeiro estava ligado ao financiamento das startups da Meca do digital e os outros dois ao setor dos criptoativos, a nova estrela da finança global. Estas falências não podem ser dissociadas da crise que o digital está a atravessar com milhares de despedimentos nos gigantes do setor, uma crise de superprodução que deflagrou após a exuberância do período do confinamento pandémico, mas a sua causa estrutural, principalmente no caso do SVB, é o aumento das taxas de juro em curso tanto nos EUA como na Europa.  Este banco tinha como um dos seus ativos principais obrigações de tesouro norte-americanas que, nos últimos doze meses, registaram uma perda de 20% do seu valor nos mercados financeiros, o que criou uma necessidade de financiamento de 1,7 mil milhões de dólares. Os depositantes acorreram para retirar os depósitos, o que gerou uma fuga de capitais que precipitou a sua crise e a falência. Nos outros dois bancos, ambas estiveram também associadas à grande volatilidade dos criptoativos. Conscientes desta situação, as autoridades monetárias norte-americanas decidiram reduzir o aumento da taxa de juro projetada de 0,5% para 0,25%.

Na Europa, o Crédit Suisse não colapsou, mas foi adquirido pelo seu rival UBS por 3000 mil milhões de francos suíços (3030 milhões de euros). O Banco Central helvético vai fornecer-lhe uma linha de liquidez extraordinária de 100 mil milhões de francos suíços. Os primeiros 5 000 mil milhões de francos suíços de perdas serão financiadas pelo UBS e os 9 000 mil milhões seguintes pelo Estado. Na quarta-feira da semana passada as ações do banco atingiram o valor mínimo, tendo perdido mais de 30% durante a sessão. A esta desvalorização brutal não é estranho o  ambiente de aumento das taxas de juro na Europa, apesar da Suíça não pertencer à União Europeia e à zona euro. Mais preocupante ainda é a situação das obrigações convertíveis em ações, Aditional Tier 1 (AT1), que serão vendidas para aumentar o capital do banco. A exposição do Crédit Suisse a estes títulos de alto risco ascende a 16 185 mil milhões de euros. Os investidores exigem juros cada vez mais elevados para se protegerem do risco, o que significa a queda do seu valor nominal, ou seja, vendas em perda. O problema é que estes títulos são emitidos também por bancos da zona euro, de que se destacam o Deutsche Bank, que desde a crise das subprime nunca recuperou verdadeiramente, o HSBC e o BNP Paribas, a que se acrescenta o UBS, que registaram também enormes quedas nos preços destes ativos. Se os juros continuarem a aumentar, corre-se o risco de desencadear na Europa uma grave crise financeira.

Perante este cenário, o que é que tem feito a instituição presidida pela senhora Lagarde, o Banco Central Europeu? Ao contrário, da FED norte-americana, este persiste teimosa e cegamente em manter o aumento previsto da taxa de juro de referência em mais 0,5%, para 3,5%, tendo como alvo 4% em 2024, e como critério orientador fazer descer a taxa de inflação na zona euro para 2%. Esta política monetária fundamentalista, para além de ineficaz, a chamada inflação subjacente (sem alimentos e energia) continua elevada, tendo subido para 5,6% em fevereiro e a inflação integrando estas duas componentes atingiu 8,7% neste mês, alimenta o risco de desencadeamento de uma crise bancária na Europa, apesar das tentativas da senhora Lagarde e de outros fundamentalistas do BCE que partilham as suas ideias de contorná-lo e desvalorizá-lo. O objetivo de 2% de inflação é extremamente irrealista, pelo menos enquanto continuar a invasão russa da Ucrânia, o fracasso em curso das sanções ao país agressor e o rearmamento da Europa. Os fundamentalistas monetários do BCE ainda não entenderam que a inflação atual não tem origem no excesso de procura, mas na escassez da oferta, sendo alimentada pelos superlucros oligopolistas que não ficam confinados ao setor da energia e da alimentação e se estendem ao setor bancário, cujas margens financeiras têm crescido exponencialmente a reboque da desastrosa política monetária do BCE que faz o jogo da bancocracia europeia, responsável pela crise de 2007-2008 no velho continente.

Em contracorrente, o prémio Nobel da Economia de 2001, o norte-americano Joseph Stiglitz defendeu, num debate organizado pela comissão consultiva sindical da OCDE, que é o poder de mercado das grandes empresas do setor de serviços que tem alimentado a inflação após o confinamento pandémico com uma subida de preços articulada, o que é uma forma encapotada de cartelização, em diversas áreas em que detêm um forte controlo. Contesta as medidas de contenção salarial defendidas pelo BCE, defendendo o aumento da produção alimentar, da mão-de-obra e dos salários, da imigração e da oferta de serviços à família. Considera também necessário o lançamento de impostos sobre os lucros excessivos dos oligopólios. Se ainda restavam dúvidas sobre quem está a alimentar e a beneficiar com a elevada inflação na Europa, Joseph Stiglitz acabou por desfazê-las. O problema é que os fundamentalistas monetários do BCE e os seus aliados da direita neoliberal continuam ao leme com as suas receitas que, em nome de uma pretensa «estabilidade monetária», podem provocar uma recessão, preço que alguns já admitem fazer pagar aos povos da zona euro. Veremos o que os próximos tempos nos reservam.

Joaquim Jorge Veiguinha