Artigo:A peste grisalha - Uma achega à 1ª Conferência de Professores Aposentados dos Sindicatos da FENPROF (Paula Bárcia)

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Uma achega à 1ª Conferência de Professores Aposentados dos Sindicatos da FENPROF

Tenho 67 anos, 42 dos quais passados a ensinar, com paixão.

Mas confesso que, por vezes, o ensinar não chegava: precisava de conhecer o mundo fora da escola, de onde vinham os alunos, quais as influências que os faziam reagir, que infâncias eram aquelas.

E apercebi-me que, para dar aulas de História, de modo a que eles percebessem que estávamos a falar de pessoas, tinha de falar da história de todos os dias, da história deles, daquela de que eles eram testemunhas; e falavam de música, de programas de televisão, de notícias de jornais – que eles não liam, mas eu trazia – da vida de que se faz a História.

Mas não chegava: de 7 em 7 anos tinha de “agulhar” para outro lado, entrar noutros temas, viver outras experiências, para ter mais ideias para as aulas. E consegui destacamentos em assuntos tão diversos como a condição das mulheres, a educação sexual ou os descobrimentos . Produzi teatro universitário. Tentei fazer fotografia. Estive em Moçambique, em 74. E aí, em vez de dar aulas sobre os lusitanos e D. Afonso Henriques, estudei por onde podia e fui a primeira a dar História de Moçambique, em Pemba. E pela primeira vez os meus alunos viram mapas da sua terra, comeram castanhas ou bolo-rei.

Estudei uma técnica inglesa de reconstituição histórica e usei-a abundantemente nas aulas, dando a experimentar gestos, sabores, músicas, danças, vivências de outros tempos. Fiz debates sobre a escravatura e o liberalismo. Fiz filmes. Por causa da guerra colonial aprenderam a dançar o rock’n roll e fizeram perguntas pertinentes a convidados que por ela tinham passado.

O retorno sempre foi muito satisfatório, e a verdade é que uma parte muito feliz da minha vida se consumiu nisto.

Quando se aproximou a reforma, fui guardando ideias de coisas que gostava de fazer “para depois”: voluntariado, uma pesquisa histórica aprofundada, uma ou duas viagens…

E dois anos depois, estamos assim: o voluntariado vai-se fazendo, num Museu de Lisboa, onde guiar visitas a escolas me mata as saudades das crianças e adolescentes, e das suas caras fascinadas e perguntas curiosas. Venho de lá com o coração cheio !

E existe a Companhia Maior, uma companhia de séniores, que faz teatro, performance e dança, na qual estou integrada e que me tem feito passar por experiências que nunca pensei viver. Já andámos de camioneta pelo país para fazer digressões, estivemos 3 semanas em palco, a chegar a casa às 2 da manhã, ensaiamos tarde e noite, decoramos textos e marcações, rimo-nos uns com os outros, aprendemos a gostar de música eletrónica, damos- -nos boleias, trocamos dicas sobre sapatos confortáveis, reformas, remédios santos e sítios e espetáculos a ver – já que temos descontos por todo o lado.

As viagens e as férias são ditadas pela tabela dos espetáculos, e coordenar isto com  as filhas e os netos é outra aventura. Ainda tentei, mas não consegui fazer figuração n’”Os Maias”.

Não amo tudo o que faço, mas aprecio cada momento. Estou viva, tenho genica e entusiasmo e curiosidade. Ainda posso deixar  coisas “para depois”…